UM CONVITE...

Quando uma sociedade é incapaz de criar as justificativas da sua existência, modifica imediatamente os mecanismos de produção das ideologias. A universidade sempre foi um desses mecanismos. Mas se a universidade já não pode mais dar resposta ao atual estágio de dominação, é porque de alguma forma as pessoas começaram a despertar. Deixaremos mais uma vez os soníferos discursos das modernizações conservadoras nos colocarem na cama ou nos levantaremos definitivamente? Fazemos, então, um convite à rebeldia e à criatividade. Não podemos aceitar a velha universidade burocratizada, nem a UNIVERSIDADE NOVA colonizada. Construamos nós, junto aos trabalhadores, a Universidade Popular!

COMUNA


segunda-feira, 7 de maio de 2007

UNIVERSIDADE NOVA: Nova Retórica, Velhos Interesses...

[Por L. - Militante da COMUNA]


O modelo da Universidade Nova, projeto de reforma acadêmica proposto no âmbito da UFBA, vem avançando a passos largos dentro da graduação, ainda que as discussões sobre o tema na esfera da sociedade civil e da própria comunidade acadêmica sejam até então escassas. Dentre as inúmeras propostas, voltadas para a precarização do ensino superior no Brasil e seu ajuste ao arquétipo neoliberal, chamamos aqui a atenção para como de fato funciona o Bacharelado Interdisciplinar (BI).

O BI é apresentado como uma alternativa de ampliação do processo de aprendizagem e aquisição de competências, que propiciaria maior autonomia ao estudante na escolha das diretrizes de sua formação. Constitui-se como um dos pontos principais trazidos pelo projeto da Universidade Nova, ora em debate. Os proponentes do modelo ressaltam dentre as virtudes do BI, o enorme potencial de ampliação das vagas oferecidas (com a possibilidade de dobrar o número atual) e a possibilidade de uma formação rápida e genérica de bacharel em determinada área do conhecimento ou a opção por uma das outras alternativas de formação oferecidas (licenciatura, cursos profissionais ou pós-graduação).

A partir de um discurso tipicamente colonizado, que sustenta a defesa dos BI’s com base na justificativa de que se trata de um modelo de sucesso praticado em universidades dos Estados Unidos e Europa, é dada pouca importância à questão crucial da perda da qualidade do ensino, já que a universidade passa a funcionar como um sistema profissionalizante voltado para o atendimento dos interesses do mercado, ofertando: mão-de-obra qualificada, barata, em abundância e sem consciência crítica ou capacidade de articulação política ou de classe.

O BI já está sendo testado na UFBA, com turmas experimentais de até 150 alunos, na Escola de Administração, em disciplina ofertada a estudantes de cursos diversos, cujas aulas são estruturadas em um revezamento feito entre docentes e monitores (estudantes de mestrado). Alguns pontos devem, no mínimo, ser trazidos à luz, pois têm sido abordados como questões menores ou secundárias, quando na verdade deveriam estar no centro do debate em torno da Universidade Nova:

· a perda da qualidade das aulas, que sendo ministradas para grupos de até 150 alunos, estão sujeitas a limitações metodológicas e pedagógicas óbvias, num claro movimento de troca da qualidade pela quantidade;

· a massificação da relação entre professores e estudantes, já que os primeiros não têm como oferecer atenção personalizada a cada um dos 150 integrantes de cada turma, o que afasta docentes e discentes;

· o sucateamento dos quadros intelectuais das instituições de ensino superior que passam a substituir professores concursados por estudantes de mestrado (“os monitores”), mais uma vez seguindo o propalado receituário neoliberal, num duplo movimento - o primeiro de precarização das relações de trabalho, com uso de mão-de-obra barata e qualificada para produzir mais mão-de-obra barata e qualificada; e o segundo de desvalorização e exclusão da figura do “intelectual orgânico” dos quadros funcionais da academia;

· a falta de transparência na implantação do modelo experimental do BI, posto que a maioria dos estudantes ignora o fato de que já estão sendo testadas disciplinas na graduação dentro dos parâmetros propostos pela Universidade Nova (inclusive muitos dos discentes matriculados nas turmas experimentais).

A lista é longa, contudo colocamos alguns dos pontos mais pertinentes para suscitar uma reflexão e fomentar o debate inicial em torno de uma questão que afeta a todos nós. A necessidade de uma “outra” universidade é inquestionável. Entretanto, esta “outra” universidade não deve ser imposta à comunidade acadêmica por grupos voltados ao atendimento dos interesses do capital, nem tão pouco pode ser uma cópia piorada de modelos externos que reproduzem uma prática tacanha de servilismo cultural diante do que vem dos países ditos desenvolvidos.

Se por um lado, a proposta é intitulada Universidade Nova, por outro não há nada de original nos interesses que a retórica escamoteia. O que se vê neste projeto se baseia em uma problemática abordada pela socióloga e cientista política Elisa Reis[1] em suas pesquisas, nas quais a educação é apontada pelas elites[2] como o caminho mais adequado para dotar os “desprivilegiados” de recursos. Nos diferentes setores da elite um peso muito grande é atribuído aos investimentos em educação e na “modernização” do ensino no Brasil, que deve se voltar para o mercado e nesse sentido aparece como a grande panacéia para dirimir as desigualdades sociais.

Trata-se de uma tentativa de instrumentalização da educação, que já obteve êxito preocupante nos níveis fundamental e médio e agora é direcionada para o ensino superior. A educação deixa de ser um direito básico para permitir o acesso universal ao conhecimento, a emancipação do indivíduo e sua formação enquanto cidadão, e se torna um recurso a ser explorado pelo poder público com dois objetivos principais: o primeiro de dotar os setores mais pobres da população de condições para competir por um lugar melhor na estrutura social sem envolver uma ativa redistribuição de renda e riqueza; e o segundo de ofertar ao capital mão-de-obra apta a atuar no mercado.

Uma das pesquisas da autora citada conclui que esta nova abordagem da educação expressa a crença amplamente difundida segundo a qual a escola cria oportunidades de mobilidade social. No caso brasileiro ela parece também refletir o otimismo da era desenvolvimentista, quando se apostava na criação de novas posições estruturais, novas ocupações sociais que viriam a ser preenchidas pelas novas gerações, através de novos modelos a serem adotados no âmbito das instituições de ensino mantidas pelo Estado (como a Universidade Nova). As classes desfavorecidas poderiam, assim, ascender socialmente sem, contudo, provocar a mobilidade descendente de outros setores. Em suma, as elites apostam na possibilidade de melhoria para os pobres sem custos diretos para os não-pobres através da educação, que passa então a ser aviltada por reformas irresponsáveis.

Uma “outra” universidade deve ser construída democraticamente, a partir de um debate transparente e abrangente, com a participação dos estudantes, professores e da sociedade, e deve estar pautado na inclusão com qualidade de ensino e não em um modelo de sucateamento que busca promover um reajuste favorável aos interesses amplos do capital.


[1] REIS, Elisa P. Percepções da elite sobre pobreza e desigualdade. Revista Brasileira de Ciências Sociais, fev. 2000, vol.15, no.42, p.143-152.

[2] No estudo mencionado, são identificados “amplos setores da elite brasileira: políticos, burocratas, líderes empresariais, líderes sindicais, as elites militares, religiosas, intelectuais e outras”. Conceitualmente, o termo elite, de modo geral, pode ser considerado como um grupo dominante na sociedade. Especificamente, o conceito possui diversas definições. Para alguns autores, como Vilfredo Pareto, elite significa uma alternativa teórica ao conceito de classe dominante de Karl Marx. Pode também referir-se a um grupo situado em uma posição hierárquica superior numa dada organização e com o poder de decisão política e econômica, como definido por Wright Mills. Segundo definição de Robert Dahl, elite seria o grupo minoritário que exerce uma dominação política sobre a maioria dentro de um sistema de poder democrático.

Nenhum comentário: