UM CONVITE...

Quando uma sociedade é incapaz de criar as justificativas da sua existência, modifica imediatamente os mecanismos de produção das ideologias. A universidade sempre foi um desses mecanismos. Mas se a universidade já não pode mais dar resposta ao atual estágio de dominação, é porque de alguma forma as pessoas começaram a despertar. Deixaremos mais uma vez os soníferos discursos das modernizações conservadoras nos colocarem na cama ou nos levantaremos definitivamente? Fazemos, então, um convite à rebeldia e à criatividade. Não podemos aceitar a velha universidade burocratizada, nem a UNIVERSIDADE NOVA colonizada. Construamos nós, junto aos trabalhadores, a Universidade Popular!

COMUNA


terça-feira, 11 de dezembro de 2007

MINHA UNIVERSIDADE
[Maiakovski]

Conheceis o francês
sabeis dividir,
multiplicar,
declinar com perfeição.
Pois, declinai!
Mas sabeis por acaso
cantar em dueto com os edifícios?
Entendeis por acaso
a linguagem dos bondes?
O pintainho humano
mal abandona a casca
atraca-se aos livros
e as resmas de cadernos.
Eu aprendi o alfabeto nos letreiros
folheando páginas de estanho e ferro.
Os professores tomam a terra
e a descarnam
e a descascam
para afinal ensinar:"Toda ela não passa dum globinho!"
Eu com os costados aprendi geografia.
Os historiadores levantam
a angustiante questão:
- Era ou não roxa a barba de Barba Roxa?
Que me importa!
Não costumo remexer o pó dessas velharias!
Mas das ruas de Moscou
conheço todas as histórias.
Uma vez instruídos,
há os que se propõem a agradar às damas,
fazendo soar no crânio suas poucas idéias,
como pobres moedas numa caixa de pau.
Eu, somente com os edifícios, conversava.
Somente os canos de água me respondiam.
Os tetos como orelhas espichando
suas lucarnas atentas
aguardavam as palavras
que eu lhes deitaria.
Depois
noite a dentro
uns com os outros
paravam
girando suas línguas de cata-vento.

segunda-feira, 3 de dezembro de 2007

EDUCAÇÃO SUPERIOR E IDEOLOGIA:
O CURRÍCULO DAS UNIVERSIDADES ENQUANTO INSTRUMENTO DE MANUTENÇÃO DAS RELAÇÕES CAPITAL X TRABALHO

Luciana Silva - Militante do DAADM (UFBA) e da COMUNA
[Texto apresentado no EBEM - Encontro Brasileiro de Educação e Marxismo]

Esta apresentação tem como objetivo precípuo discutir como, historicamente, a construção da educação de nível superior esteve atrelada aos interesses do capital, favorecendo a manutenção das relações capital x trabalho. A partir desta crítica, seria pautada a construção de um outro modelo de universidade, a partir dos movimentos sociais de base, e que estaria direcionada ao atendimento dos interesses do trabalho, na dialética da sociedade.

Introdução

A educação, enquanto construto social e histórico está relacionada a estruturas econômicas e ideológicas que se encontram fora dos prédios das escolas ou das universidades. Para Tonet (2007), a educação quando tomada sob a perspectiva da categoria do trabalho, passa a ser indissociável dela (assim como a linguagem e o conhecimento) e este processo de apropriação por parte dos indivíduos, do patrimônio cultural, não poderia deixar de ser atravessado pelos antagonismos sociais. Isto por causa do modo como os tipos de recursos e símbolos culturais, selecionados e organizados pelas escolas, estão dialeticamente relacionados com os tipos de consciência normativa e conceitual exigidos por uma sociedade estratificada.

A associação entre a educação e os interesses do capital fica evidente a partir da segunda fase da revolução industrial, quando passa a ser exigido do trabalhador que este detenha um conhecimento mínimo para manipular as máquinas da linha de produção. É neste ponto da história que se constrói a relação entre a escola e/ou a universidade enquanto instituição e a reprodução das desigualdades no âmbito da sociedade. As universidades, segundo sociólogos do currículo, não apenas “preparam” as pessoas: elas também “preparam” o conhecimento.

Para Williams (1975), as universidades, através de seus currículos que são construções simbólicas decorrentes de interesses de classe muito concretos, desempenham a função de agentes da hegemonia cultural e ideológica, são instrumentos da tradição seletiva e da incorporação cultural. Longe de fomentar aqui, teorias conspiratórias de cunho classista, faz-se necessário reconhecer que a estrutura constitutiva dos currículos das universidades em geral acha-se centrada em torno do consenso e que este, além de refletir uma das tendências vulgares do neoliberalismo (a via única, “imortalizada” pelas palavras de Tatcher) resulta dos interesses dominantes dos que escreveram a história e construíram não apenas a estrutura física como a ideológica das universidades – homens, brancos, anglo-saxões.

São poucas as tentativas sérias de tratar dentro das estruturas curriculares do conflito (de classes, científico, ou outros), sendo tais estruturas vazias de reflexões críticas, a-históricas, parciais e possuidoras de carga ideológica, características que são escamoteadas pelo discurso positivista da neutralidade. Contudo, a tradição seletiva prescreve que não seja ensinado ou irá seletivamente reinterpretar (e, portanto, irá em seguida ignorar) a história da classe operária, dos negros, a história indígena ou a história da mulher. No entanto, são ensinadas a história das elites e a história militar imiscuídas da cultura do “sucesso” e da “vitória”, imprescindíveis a uma sociedade competitiva e individualista bem ao gosto do capitalismo moderno (APPLE, 1982).

Parafraseando Tragtenberg: “Universidade e Hegemonia”

Todo o processo descrito sucintamente na seção anterior irá culminar no paradigma básico da educação: a força de trabalho passa então a ser formada fora do processo de trabalho, nas escolas e universidades.

Predominando formas pré-capitalistas de trabalho, a exigência de qualificação formal do trabalhador é inexistente; predominando o capitalismo, nas chamadas funções de supervisão exige-se diploma universitário. Aí se coloca a função intelectual: não só produzir mesmo no plano simbólico, como conduzir a direção moral e intelectual da sociedade de classes, legitimando com seu saber o poder existente e sua distribuição desigual (TRAGTENBERG, 1990, p. 61).

Em tal contexto, a atividade social – na qual a educação desempenha um papel particular – está diretamente vinculada ao programa mais amplo das instituições que distribuem os recursos (culturais, econômicos, etc.), de modo que alguns grupos e classes sociais têm sido historicamente favorecidos, ao passo que outros têm recebido tratamento menos adequado. É sob este aspecto que se evidencia que a educação, sobretudo o ensino superior, elitizado e perversamente seletivo, funciona como um instrumento de manutenção das desigualdades dentro da sociedade capitalista, como bem coloca Tragtenberg:

[...] Aí a educação irá funcionar como o grande mecanismo de exclusão, a escola irá realizar e garantir a hegemonia dos setores dominantes na medida em que dela são excluídas as grandes massas rurais e ponderáveis massas urbanas. [...] Nesse sistema insere-se a Universidade. Ela é a porta que dá acesso ao desempenho às funções hegemônicas, obedecendo ao processo de industrialização, onde a alta densidade tecnológica implica funções de supervisão exercidas por “acadêmicos”. Ao definir uma distribuição diferencial do saber, ela reproduz a distribuição diferencial do poder econômico e político, perpetuando através da “cultura da desconversa”, o ensino do irrelevante, que leva à exclusão de grandes massas de estudantes pelo desinteresse que os cursos apresentam, assim realizando as funções de hegemonia dos setores dominantes. Dessa forma, transforma a dominação de fato em dominação de direito, a desigualdade social em natural (1990, p. 62).

O resultado não poderia ser outro: o papel das universidades “reduz-se à criação de mão-de-obra ‘superior’ e requerida pelo sistema, sem mais nada, sem fantasia” (TRAGTENBERG, 1990, p. 62). Dentro da sociedade capitalista a educação (não apenas a superior, mas em todos os níveis) passa a ser encarada como um produto/serviço e a instrumentalização do ensino atinge seu ponto mais crítico a partir do momento que se constrói e consolida o consenso de que o ensino superior é meramente uma etapa da qualificação profissional, uma forma de viabilizar a ascensão social dos menos favorecidos sem necessariamente promover o descenso das classes privilegiadas através da redistribuição de renda. Tal discurso se coaduna plenamente – como não poderia deixar de ser - com os aspectos gerais da sociedade de consumo individualista promovida pelo capital.

A ênfase superacentuada no indivíduo em nossa vida educacional, emocional e social é idealmente adequada para manter uma ética manipulativa do consumo e o retraimento da sensibilidade política e econômica. Os efeitos latentes de se fazer do indivíduo um absoluto e de se definir o papel dos profissionais enquanto técnicos neutros a serviço da melhoria, por conseguinte, tornam quase que impossível que se desenvolva nas universidades, com os modelos de currículos atuais, engessados pelos interesses do capital, uma análise aguda da injustiça social e econômica. Os currículos e as práticas pedagógicas de ensino tornam-se relativamente impotentes para explorar a natureza da ordem social de que fazem parte.

Por uma outra universidade, para além dos marcos do capital...

Neste breve espaço, não se tenciona apresentar a construção de um outro modelo de universidade e grade curricular, que vá se contrapor ao modelo hegemônico vigente. Pelo contrário, antes, nos interessa aqui contribuir para o debate acerca das possibilidades de construção de uma universidade voltada para o trabalho, para o trabalhador e para a sociedade. Este modelo, de fato, não deve se ater às teorias e discussões da academia. Muito pelo contrário, passa pela urgente necessidade de se desencastelar a construção do conhecimento acadêmico em todos os níveis, não numa apologia irresponsável do obscurantismo ou do empiricismo vulgar, mas, antes e, sobretudo, reconhecendo que existe na universidade a carência de uma práxis pautada no conhecimento da materialidade social dos homens e que seria indispensável para a compreensão do movimento dialético da ação pedagógica no que esta possui de determinações concretas para a formação ou deformação humana.

São inúmeros os estudos sobre a construção do conhecimento em associação com os movimentos sociais de base. Um exemplo interessante são os escritos de Caldart (Apud SILVA, 2007) acerca do MST (Movimento dos Trabalhadores Sem Terra) enquanto sujeito pedagógico. O desafio posto, talvez um dos mais recorrentes para aqueles que trabalham ou militam junto aos movimentos sociais na contemporaneidade, é, justamente, como fazer com que estes atores se apropriem do processo de construção do conhecimento dentro da sociedade, enquanto protagonistas e não apenas meros coadjuvantes ou, ainda, objetos num processo de legitimação da hegemonia existente. Para compreender essas relações hegemônicas, cumpre lembrar algo sustentado por Gramsci – de que existem duas condições necessárias para a hegemonia ideológica. Não se trata apenas de que nosso sistema econômico produz categorias e estruturas de sentimentos que saturam nossa vida cotidiana. Ligado a isso deve haver um grupo de intelectuais que empregam e conferem legitimidade às categorias, que fazem com que as formas ideológicas pareçam neutras. Como alternativa a este modelo excludente e classista, que vem se reproduzindo historicamente, cabe ressaltar a discussão sobre o movimento social enquanto princípio educativo, que dialoga com as questões de origem da pedagogia moderna, principalmente com a questão do trabalho como princípio educativo (SILVA, 2007). Este movimento dialógico é condição necessária para a construção de outro modelo: o da Universidade Popular, a qual não cabe (ainda) em palavras, posto que sua definição prescinde do debate e da apropriação acerca do tema por parte dos seus protagonistas: os expropriados, esquecidos e excluídos, os “sem” (sem terra, sem teto, sem emprego, sem educação), produzidos pelo atual modelo de sociedade (e universidade).

Últimos Acenos

Do exposto até aqui, uma das conclusões mais pertinentes é a de que não é fortuito o conhecimento que se introduziu nas universidades no passado e que ainda hoje se introduz. É selecionado e organizado em torno de conjuntos de princípios e valores que provêm de alguma parte, que representam determinadas visões de normalidade e desvio, bem como os interesses sociais que em geral orientaram a seleção e organização dos currículos. Apple, em uma análise bastante lúcida, chama atenção para o fato de que esta manipulação dos conteúdos e significados que são disseminados através do ensino formal na verdade precedem o ensino superior, estando presentes desde os níveis básicos da educação:

O controle social e econômico ocorre nas escolas não somente na forma de áreas de conhecimento que as escolas possuem ou nas tendências que encaminham – as regras e as rotinas para manter a ordem, o currículo oculto que reforça as normas de trabalho, obediência, pontualidade, e assim por diante. O controle é exercido também através das formas de significado que a escola distribui. Isto é, o “corpus formal do conhecimento escolar” pode se tornar uma forma de controle social e econômico.

As escolas não controlam apenas pessoas: elas também ajudam a controlar significados. Desde que preservam e distribuem o que é considerado como conhecimento legítimo – o conhecimento que todos devemos ter -, as escolas conferem legitimação cultural ao conhecimento de grupos específicos (1982, p. 98).

Claro está que, através de suas atividades curriculares, pedagógicas e de avaliação, na vida cotidiana nas salas de aula, as universidades (e não diferente destas, as escolas), no modelo presente, desempenham um papel importante na preservação, senão na criação dessas desigualdades. Associada a outros mecanismos de preservação e distribuição cultural, as instituições de ensino superior contribuem para a reprodução cultural das relações de classe em sociedades industriais avançadas. E já passa da hora de se tornarem um dos meios de emancipação da classe trabalhadora, nomeadamente se tivermos em conta que a cultura popular faz parte de sistemas populares de vida e de representação da vida, e têm uma lógica e densidade dentro da própria sociedade, não podendo ficar à parte do processo de construção da ciência e do conhecimento. Reinventar a educação é urgente além de que é preciso dessacralizá-la para torná-la socialmente útil, não ao capital, mas aos trabalhadores e aos movimentos sociais que estes compõem e acreditar ainda que, diferentes tipos de homem criam diferentes tipos de educação, de método e de currículo.


Referências:

APPLE, Michael W. Ideologia e Currículo. São Paulo: Brasiliense, 1982.

CHESNAIS, François. A mundialização do capital. São Paulo: Xamã, 1996.

MÉSZÁROS, István. Para além do capital. Campinas: Boitempo, 2002.

SILVA, Roberta M. Lobo da. A dialética do trabalho no MST: A construção da Escola Nacional Florestan Fernandes. Tese (Doutorado em Educação) - UFF: RJ, 2005.

TONET, Ivo. Educar para a cidadania ou para a liberdade? Perspectiva - Revista do Centro de Ciências da Educação da UFSC, Florianópolis, v. 23, p. 469-484, 2005.

TRAGTENBERG, Maurício. Sobre Educação, Política e Sindicalismo. São Paulo: Cortez; Autores Associados, 1990.

WILLIAMS, Raymond. Base and superstructure in Marxist cultural theory. London: Routledge & Kegan Paul, 1975.


sábado, 17 de novembro de 2007

Seguindo o exemplo da reitoria da UFBA, a burocracia acadêmica da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE) também pretende usar das armas para deter o avanço do movimento estudantil. Em nota divulgada à imprensa, o reitor informa que equipará a polícia do campus com armamento de última geração para impedir futuras ocupações, fazendo da guarda universitária desta universidade a primeira armada em todo o país! Na UFPE os estudantes também estão ocupando a reitoria contra o REUNI e o pedido de reintegração de posse com o uso de força policial foi solicitado na mesma semana do realizado na UFBA. Essas medidas se configuram em mais um avanço na repressão aos estudantes.

O grau de articulação entre os reitores em todo o país ficou explicitado na tentativa de aprovação do REUNI à base de fraudes e da truculência, quando em diversas universidades federais os conselhos universitários foram forjados e os estudantes impedidos de acompanhar as ditas "sessões", no mais completo desrespeito aos requisitos legais mínimos e ao pouco de democracia que havia se constituído nas universidades estatais. Essa semelhança no método de "aprovação" do REUNI nos leva a crer que, assim como na UFPE, em breve outros reitores anunciarão as mesmas medidas autoritárias. Nas estaduais paulistas, entretanto, isso já não é novidade. Alunos da USP, UNICAMP e UNESP respondem a processos e alguns já foram até mesmo expulsos. As câmeras controlam quem entra e sai e grades se levantam em todas as direções.

Já na UFBA, a violência imposta aos estudantes que ocupavam a reitoria não foi suficiente. Sabendo que as mobilizações não vão parar, já foram feitas declarações pelo setor privatista de que todos os ocupantes serão processados administrativamente e, caso punidos, poderão até ser expulsos da universidade. O reitor Naomar de Almeida Filho chegou a garantir, em outra declaração a uma rádio local, que os 4 estudantes presos de forma arbitrária serão jubilados. O uso da força policial e institucional está escancaradamente posto a serviço de interesses particulares.

Este processo crescente de transformação das reivindicações estudantis em "caso de polícia" demonstra que nossas universidades estão "evoluindo" de mero aparelho ideológico a serviço do capital para "universidades-policiais". A iniciativa da burocracia acadêmica da UFPE mostra a tendência da universidade se transformar cada vez mais em simples instrumento violento de repressão, uma verdadeira "escola-prisão". Mas, por outro lado, essa demonstração de força por parte dos setores conservadores evidencia justamente o que tenta inutilmente destruir: a força das mobilizações estudantis que insistem em aumentar a despeito da repressão e da privatização, a ponto de a única forma que restou para barrá-las foi o uso da força bruta, da criminalização e da perseguição política.

A cada avanço da luta estudantil e dos trabalhadores mais máscaras caem. A universidade vai mostrando para quem serve e a necessidade de superá-la é colocada na pauta dos movimentos. Chegou a hora de construir a universidade democrática e livre. A universidade sem opressão, sem polícia, sem grades, sem muros. Uma universidade aberta aos movimentos sociais. A universidade dos trabalhadores. A verdadeira Universidade Popular!

sexta-feira, 16 de novembro de 2007

Contra o REUNI e contra repressão!!

Com armas em punhos, na base dos socos e spray de pimenta, os desejos da burocracia acadêmica da UFBA finalmente se realizam. Nas primeiras horas manhã do dia 15 de novembro, em pleno feriado, a Polícia Federal invade a reitoria ocupada e retira à força os estudantes que lá permaneciam há 46 dias.

A reintegração de posse tinha sido conseguida na terça-feira desta semana, a pedido do Reitor Naomar de Almeida Filho, mas somente dois dias após, para dar tempo do EBEM (Encontro Brasileiro de Educação e Marxismo) terminar, encontro este que acontecia na própria reitoria ocupada, a ação da polícia se fez sentir, mostrando toda a covardia dos setores que controlam e vendem a universidade.

Este mesmo reitor, com apoio dos setores privatistas da universidade, incluindo o sindicato dos professores (APUB) e alguns grupos da burocracia estudantil, há menos de um mês já tinha simulado uma reunião do conselho universitário e aprovado de forma fraudulenta o apoio da UFBA ao decreto-REUNI e ao seu projeto Universidade Nova. Não tardaria para mais uma ação truculenta acontecer.

Na ação policial da manhã do dia 15 de novembro, a própria Polícia Federal se encarregou da ação, apontando suas armas aos rostos dos estudantes, batendo e humilhando os presentes. Dezenas de estudantes foram agredidos, e quatro deles foram presos de forma arbitrária. Nitidamente, as mulheres eram os focos das agressões, foram elas que mais sofreram com a violência física e psicológica promovida pela polícia durante a reintegração. Os estudantes foram liberados depois de encaminhados à sede da policial federal, mas estão sendo processados por desacato e por resistiram à prisão. Os outros estudantes agredidos foram impedidos, pela própria polícia, de prestarem queixa.

Infelizmente, a UFBA não é caso isolado. A repressão contra os estudantes foi marcante durante todo o ano de 2007. A polícia foi usada dentro de diversos campi para desmobilizar inúmeras manifestações. A proletarização do meio estudantil justifica em parte tal medida. A outra justificativa é que o movimento estudantil vem ganhando cada dia mais força e recria suas bandeiras de luta, garantindo autonomia frente aos governos e partidos, se organizando de forma horizontal e radicalizando suas ações. Já não querem mais a velha universidade, e não aceitam modernizações conservadoras.

Semana que vem, os estudantes prometem realizar uma grande assembléia geral para reforçar a luta que só termina com a derrubada do REUNI e com a garantia de uma assistência estudantil digna. Mas, a exemplo de outros movimentos sociais, o movimento de ocupação ganha mais uma bandeira: a luta contra a criminalização. Agora a luta é contra o REUNI e contra a repressão! Fora toda burocracia acadêmica, por uma universidade dos trabalhadores! Por uma Universidade Popular!


segunda-feira, 22 de outubro de 2007

Contra o REUNI, pela Universidade Popular!

Esta semana foi decisiva para os ocupantes da reitoria da UFBA. Após uma grande vitória na assembléia geral dos estudantes, o movimento ganhou força mesmo esbarrando no autoritarismo da reitoria, que num conselho fraudulento, diz ter aprovado o decreto-REUNI. Agora, dentro da ocupação, os debates se intensificaram, e o apoio vindo das outras mobilizações (UFPR, UFF, FSA, UFGRS e UFRJ) deu mais ânimo ao movimento.


A quinta-feira começou com uma assembléia geral dos estudantes como há muito tempo não se via na UFBA. Cerca de 600 estudantes foram ao auditório da Faculdade de Direito se posicionar contra o decreto-REUNI, apoiar a ocupação da reitoria e dar início ao processo de construção do plebiscito geral (estudantes, professores e técnicos) que tem por objetivo consultar toda comunidade a respeito da reestruturação do ensino superior no país. A comemoração aconteceu na própria reitoria, onde uma quiabada aguardava a todos.

Desta forma, os velhos grupos que eram contrários à ocupação -- pois, segundo eles, o movimento dos ocupantes ia de encontro aos tradicionais fóruns do Movimento Estudantil -- foram obrigados a legitimar a ocupação e se juntar ao MORU (Movimento de Ocupação da Reitoria da UFBA) já na quinta-feira. Sem sucesso, neste mesmo dia, tentaram acabar com a auto-gestão e as comissões abertas, instituindo no lugar um "Comando de Geral", tirando todo o poder da Assembléia da Ocupação. Agora, seguem na tentativa de transferir o poder ao Conselho de Entidade de Base, já que não conseguiram derrotar a democracia direita. Mas até então, o MORU vem garantindo a ampla participação de cada estudante, dando, de forma igual, voz e votos a todos e combatendo a burocratização do movimento.

Na sexta-feira, dia marcado para acontecer a reunião do CONSUNI -- o conselho que é a instância máxima da burocracia acadêmica, onde a pauta era a aprovação do decreto-REUNI -- os estudantes se prepararam para exigir que a decisão fosse tomada somente após o plebiscito. Em uma manobra extremamente autoritária, o reitor Naomar de Almeida Filho aprovou o decreto-REUNI sem mesmo contar o quorum, sem ter elaborado uma ata e sem dar voz aos representantes estudantis. Ele sabia que contra tamanha resistência, somente um golpe garantiria seus planos. Os estudantes agora elaboram uma forma de reverter a decisão tomada de forma autoritária.

Domingo, para repetir o que aconteceu nos dois anteriores, os estudantes ocupantes se reuniram para debater os rumos da universidade. Desta vez, o tema era o próprio decreto-REUNI, garantindo assim que os que acabaram de chegar pudessem por si defender as bandeiras do movimento que adotaram. Em meio às críticas ao governo federal e à burocracia acadêmica, foi reafirmada a necessidade de construção de um projeto de universidade popular como única forma de garantir aos trabalhadores uma educação digna.

domingo, 21 de outubro de 2007

CONTRA O REUNI!!

segunda-feira, 15 de outubro de 2007

Todo domingo agora é dia de Universidade Popular!

Repetindo o que aconteceu semana passada, neste segundo domingo de Ocupação da Reitoria da Universidade Federal da Bahia, os estudantes pararam para debater, junto com os movimentos sociais, o caráter de classe e racista da universidade, apontando como saída a construção da Universidade Popular.

O dia começou cedo. Logo às dez da manhã, os estudantes ocupantes desceram ao Salão Nobre da Reitoria e, em círculo, contando com mais de 30 pessoas, debateram com uma representante da Bahia do Setor de Educação do MST a concepção de Universidade Popular deste movimento, que tem como referência a Escola Nacional Florestan Fernardes.

As táticas de organização da luta do movimento foram apresentadas. Foi também reafirmada a necessidade de preservar a autonomia dos trabalhadores frente ao Estado e aos partidos e o encaminhamento de construir novas formas de articulação das lutas. Mas foi lembrada, principalmente, a necessidade de construir um projeto de educação que contemple a classe trabalhadora. Deste debate, surgiu uma crítica à universidade do capital e o caráter conservador da tradicional esquerda.

À tarde, os ocupantes receberam a visita de um representante do MNU – Movimento Negro Unificado, que compartilhou com os estudantes as táticas de ação direta e as concepções do movimento. Foi apresentada a campanha "Reaja ou será morto – Reaja ou será morta" que luta contra o racismo, a homofobia e o sexismo e denuncia de forma muito contundente o extermínio da população negra promovida pelo Estado. O representante do MNU trouxe como questão central o crescimento da violência contra os militantes dos movimentos sociais e o extermínio de suas lideranças, realidade que se agravou muito no governo Wagner (PT). Foi declarada a falência do atual modelo de universidade, que pouco se preocupa com a realidade dos povos étnico-socialmente excluídos.

Destes domingo, duas mudanças de postura do Movimento Estudantil foram pautadas:

1) É necessário unificar a luta dos estudantes com a dos trabalhadores, de forma direta, sem mediações;

2)Chegou a hora de substituir as velhas bandeiras por novas, bandeiras que reflitam este novo momento de reorganização da classe trabalhadora.


segunda-feira, 8 de outubro de 2007

Estudantes da UFBA ocupam reitoria e debatem Universidade Popular!

A ocupação da reitoria feita pelos estudantes da Universidade Federal da Bahia rompe o oitavo dia e promete grande mobilização nesta terça-feira. Derrubando todas as análises e desejos dos grupos conservadores, a ocupação sobreviveu ao seu primeiro fim-de-semana e ganha grande fôlego para as próximas lutas.

Após o abandono do DCE (DS/PT e AE/PT) e de outros segmentos do movimento estudantil ligados à antiga direção da entidade (O Trabalho/PT), ficaram na reitoria, além dos residentes que iniciaram as mobilizações, o PSTU e uma grande maioria de estudantes independentes em relação aos partidos.

Em todos os debates que aconteceram, os estudantes indicaram que não basta criticar o REUNI -- o que se transformou na principal pauta da ocupação junto com a exigência da implementação de uma política de assistência estudantil real --, mas há a necessidade de construir um projeto de universidade atrelada às demandas reais dos trabalhadores, o que já se chama de “Universidade Popular”.

Dentre as atividades realizadas no domingo, foi promovido um debate com o tema: “Universidade e Movimentos Sociais”, onde professores e representantes dos movimentos sociais foram convidados a refletir sobre a necessidade de democratizar o nosso ensino superior. Estavam presentes representantes do Movimento dos Sem-Teto de Salvador (MSTS), professores/as da própria UFBA e um membro do Movimento pelo Passe Livre (MPL).

Ver mais no Blog da Ocupação: (www.ocupacaoufba.blogspot.com) ou no Mídia Independente (www.midiaindependente.org).

quinta-feira, 13 de setembro de 2007

DELÍRIOS DE MAIO

[Por "Coro de Carcarás"]

(Uma crítica à Universidade do Capital)

Delírios de Maio (1/3):
Delírios de Maio (2/3):
Delírios de Maio (3/3):

sexta-feira, 7 de setembro de 2007

Universidade Nova para o novo capital


[Daniel Caribé - Militante da COMUNA]

[Publicado em: www.espacoacademico.com.br/075/75caribe.htm]

Em 1918, antes mesmo de ser fundada a primeira universidade brasileira, os estudantes em Córdoba, uma das províncias da Argentina, já haviam lançado as referências para as lutas que se seguiriam por quase todo o século à frente e que muitas vezes foram esquecidas. Os estudantes de Córdoba não queriam somente mais verbas para a educação: queriam mesmo é participar do controle do processo de produção do conhecimento e, conseqüentemente, da gestão da universidade. Estavam assim em sintonia com as lutas dos trabalhadores que aconteceram na primeira metade do século em todo mundo. A construção de uma universidade gratuita, autônoma e democrática era onde queriam chegar.

Essas bandeiras, entretanto, não apontavam de forma nítida para o caráter de classe da ciência, da técnica e da universidade. Era uma luta focada contra a tirania da burocracia acadêmica de até então, altamente subordinada à Igreja. Devido a esta lacuna, na América Latina, local onde o autoritarismo foi a regra, tanto o setor mais liberal da burguesia quanto os grupos da esquerda marxista reivindicaram para si a Reforma de Córdoba – aliás, é muito comum os liberais serem tirados enquanto progressistas nestas circunstâncias.

No Brasil, a história das universidades se encontra com a do resto da América Latina somente duas décadas depois. As primeiras unidades de ensino superior do país eram isoladas e se preocupavam mais em formar a nascente burocracia estatal. Eram locais privilegiados para os filhos da elite, sendo mais importantes pelo prestígio social que concediam aos seus estudantes do que pela formação técnica apreendida. A Escola Politécnica do Rio de Janeiro, as faculdades de Direito de São Paulo e Pernambuco, e a de Medicina na Bahia são exemplos. As primeiras universidades brasileiras de fato surgiram com um significativo atraso, e se formaram em torno destas faculdades isoladas. Esse processo se iniciou na década de 30 e foi daí que o ranço colonial começou a abrir caminho para outros projetos.

Mas ainda na década de 30 não havia uma clareza sobre qual modelo de universidade se implementaria por aqui. A própria Igreja Católica reivindicava para si o papel de proceder esta tarefa e assim manter um controle ideológico sobre a produção científica do país. Continuava a existir também a compreensão de que a universidade deveria ter um caráter tecnicista, seguindo o que já vinha acontecendo nas faculdades isoladas. Mas a concepção que venceu o debate defendia a subordinação da universidade a um projeto de desenvolvimento nacional.

Darcy Ribeiro, da metade do século XX para frente, foi um dos que representou esta última concepção de universidade, e também adotou para si os princípios explicitados no Manifiesto de Córdoba (ver o texto A Universidade Necessária, de 1969); assim como a UNE também o fez no início da década de 60, inclusive protagonizando a “greve de um terço”, de dimensão nacional, cuja pauta focava na paridade. A lacuna deixada pelos estudantes argentinos abriria espaço no Brasil para uma aliança de classes entre os setores até então considerados progressistas, no que confere à concepção de universidade em particular. É dado também que esta aliança se estendeu para um projeto mais amplo, e é marcante até os dias atuais, entretanto o desenvolvimento deste aspecto da história brasileira foge aos objetivos deste texto.

O fato é que mesmo tendo provocado poucas modificações na estrutura de poder das universidades, tendo as burocracias acadêmicas se perpetuado em seus "feudos" nos quais os estudantes e o corpo técnico quase nunca conseguiam penetrar, e as universidades nunca tendo sido livres e autônomas, a revolta em Córdoba deixaria profundas marcas em todo o sistema educacional superior latino-americano. Alguns elementos do manifesto ali lançado serviriam sempre de fundamento para aqueles que queriam reformar a universidade, independente do caráter da reforma.

Subordinada sempre aos interesses de alguma classe dominante, a concepção de universidade brasileira que primeiro se tornou hegemônica se preocupou principalmente com a construção de um projeto nacional-desenvolvimentista. Decidiu-se que o conhecimento deveria ser produzido para justificar tal modelo, além de colaborar com ele na construção de novas tecnologias (ou adaptação de tecnologias elaboradas em outros territórios). Além de Darcy Ribeiro, Anísio Teixeira também foi um dos idealizadores desta universidade que viu o início da sua derrocada com a imposição da Ditadura Militar. Esse projeto consistia na criação de dois tipos de universidade: 1) as regionais para atender interesses de determinados grupos locais e 2) universidades preocupadas em pensar o país como um todo, seguindo a idéia da necessidade da integração nacional através da subordinação das regiões menos desenvolvidas. Não é à toa que as universidades federais carregam o nome de cada estado em que são implementadas, enquanto as unidades preocupadas em pensar o país, notadamente as grandes universidades paulistas, são bancadas com recursos estaduais. Darcy Ribeiro, entretanto, talvez preocupado com esta concentração de poder, propôs a criação da Universidade de Brasília (UnB).

Essa universidade pensada por uma burguesia liberal não libertava nada.[1] O poder continuava concentrado nas mãos de uma burocracia acadêmica, que por sua vez estava atrelada aos interesses da classe dominante, que nesse caso ainda era a burguesia nacional. Uma hierarquia bem nítida sustentava o poder nas universidades. Os estudantes não poderiam participar das decisões, assim como a universidade se portava de forma autoritária em relação à classe trabalhadora. Enquanto o capital nacional exigia um modelo de universidade e era atendido, os trabalhadores só eram objetos deste modelo quando se necessitava de um tipo especializado de mão-de-obra.

Mas não durou muito a hegemonia da fração liberal da burguesia e o seu projeto nacional-desenvolvimentista, principalmente porque permitia em conjunto uma perigosa ascensão da classe trabalhadora. A Ditadura Militar surge como uma nova configuração da aliança entre as classes dominantes, subjugada aos interesses do capital estrangeiro. Assim a universidade burguesa entra em declínio. Porém, a forma que a Ditadura Militar escolheu para destruir este projeto, em um primeiro momento, foi o de ampliar seus recursos e o expandir por todo o país, inclusive incentivando o surgimento de instituições privadas, mas decapitando-o, destruindo a intelligentsia ou subordinado-a aos militares.[2] Não caberia mais à universidade pensar o Brasil, mas fornecer o "recurso humano" necessário para o projeto imposto de forma autoritária. Daí duas tendências são marcantes: 1) há um aumento significativo dos estudantes oriundos da classe trabalhadora e a consolidação da idéia de universidade enquanto espaço de ascensão social; 2) aumento da repressão, tanto do Estado quanto da burocracia acadêmica, facilitada pela hierarquização rígida de poder imposta nas universidades em momentos anteriores. Por esta combinação de fatores é que a repressão teve que aumentar na mesma proporção em que menos elitizada ficou a universidade.

Esse modelo acompanhou os anos do "milagre econômico" para logo a frente ser esquecido mais uma vez. Com os novos rumos que a economia mundial tomou a partir de meados da década de 70, a expansão da universidade "pública" brasileira foi freada e começou o ciclo inverso. A quantidade de vagas continuou a crescer, mas em um ritmo muito mais lento e de forma descompromissada. Os setores considerados progressistas, tanto o setor ligado a uma parte da burguesia nacional quanto aos partidos de orientação marxista, voltaram a reivindicar a universidade liberal de forma semelhante, resgatando quase sempre as bandeiras da Reforma de Córdoba.

O abandono da universidade estatal brasileira pela ditadura militar, o que se estende pelos governos neoliberais da época democrática, se configura como o momento não só de descaso com o ensino superior, mas com o período de ascensão da burocracia acadêmica. Aliás, é típico das burocracias surgirem de forma "napoleônica" – quando as classes não conseguem resolver-se; ou no vazio, quando as classes sociais não disputam o espaço. Em um espaço onde as classes dominantes hegemônicas já não têm interesse em manter, mas que também não é dominado pelos trabalhadores, era quase natural que uma burocracia deste tipo surgisse como classe mais forte.

Essa burocracia acadêmica era beneficiada com o descaso porque quanto mais os recursos governamentais eram contingenciados (medida que se tem reflete tanto no arrocho salarial quanto na diminuição de recursos para a manutenção das estruturas físicas), mais aberto ficava o campo para a captação de recursos no mercado. A cada novo corte no orçamento, mais legítima ficava a ação deste setor, e mais dependente ficava a universidade desta lógica. É verdade que há até os dias de hoje locais isolados que resistem a este processo, um ou outro departamento, grupo de pesquisa ou atividade de extensão, e que por isso pagam o preço do esquecimento. No geral, a universidade está mais comprometida com interesses das grandes corporações, desde bancos privados até empresas do Estado, que usam destas instituições para capacitação dos seus quadros de funcionários e gerentes ou para produzir o "saber" capaz de legitimar suas ações predatórias e aumentar os lucros. O máximo de preocupação que a universidade passaria a ter com a sociedade extra-empresarial era na elaboração dos artifícios ideológicos que visam humanizar as ações das firmas.

Atualmente, a Reforma Universitária apresentada pelo governo Lula se configura como a última facada, o tiro de misericórdia neste modelo burguês de universidade que por pouco tempo foi útil. O objetivo explícito é diminuir ainda mais os recursos destinados a estas instituições – já que vendê-las ainda não é possível devido a cada vez mais enfraquecida resistência que se criara dentro destes espaços – e assim acelerar o processo de sua destruição. Podemos afirmar tranquilamente que a última proposta de Reforma Universitária (inclui-se aí suas diversas revisões) vem para dar continuidade ao que se iniciou ainda na Ditadura Militar. Assim, incentiva a criação de outros modelos de universidade, ainda mais atrelados ao capital privado, quando não totalmente subordinados por este, e que não têm nenhum compromisso com qualquer tipo de projeto nacional.

Mas essas universidades desconfiguradas não se apresentavam ainda como o modelo de universidade que as novas classes dominantes – o capital financeiro e as grandes corporações transnacionais – desejam, não só para o Brasil, mas para todo o globo. A Reforma Universitária não é capaz de implementar este modelo por completo, pois lá não há nenhuma proposição, além de corte de verbas e financiamento do capital privado.

A Universidade no contexto atual

Basicamente, o modelo de universidade que o capital financeiro e as corporações almejam deve ter por objetivo atender ao mundo do trabalho cada vez mais flexibilizado através do treinamento de mão-de-obra qualificada – mas mal remunerada. A universidade tem que ser responsável por criar um excedente de trabalhadores que pressionem os salários ainda mais para baixo no intuito de atrair investimentos estrangeiros. A produção de conhecimento deve ser concentrada em poucos países, tendo em cada país periférico um número bem reduzido de universidades com o papel de reproduzir. A grande maioria, portanto, estaria destinada exclusivamente ao ensino. Enquanto o ensino pode continuar a ser financiado pelos Estados nacionais, mas com recursos reduzidos ao limite e dando preferência para as universidades particulares, a pesquisa deve ser subordinada ao capital privado e realizada em centros de excelência. Os currículos devem ser flexíveis, ou até inexistentes, para que a cada solicitação do mercado possa rapidamente haver uma reestruturação. Essa estrutura tem que ser uniforme em todo território nacional, e seguir os padrões internacionais, para que os "excelentes" possam migrar com facilidade para os centros, enquanto os "medíocres" possam completar seus estudos em universidades de nível inferior. Nos países periféricos, ainda surgirão aqueles piores que os "medíocres", que não devem continuar de forma alguma nas universidades. Estes últimos formarão a maioria.

Os Estados Unidos já tinham aplicado este modelo, assim como a Europa o faz neste momento. No EUA há as universidades de elite, todas particulares (mas que recebem gordos financiamentos estatais), nas quais só os filhos das classes privilegiadas podem freqüentar; e há universidades para os pobres, com cursos de curta duração, mas que não permitem ao estudante participar da construção do saber, e nem alterar a estrutura de poder da sociedade. Forma-se uma mão-de-obra altamente descartável.

Na Europa este processo ganhou o nome de Protocolo (ou Processo) de Bolonha e é uma imposição da União Européia para os países que desejam entrar neste circuito. Não precisamos lembrar de que forma a juventude de diversos países resistiram e resistem a este processo. Na França, por exemplo, onde quase toda a juventude adentra nas universidades, este projeto já mostrou todo o seu caráter racista. A maioria dos jovens fica nos ciclos básicos, quando só a "excelência" avança para a universidade que produz conhecimento. É importante lembrar que são os jovens imigrantes ou filhos de imigrantes os que mais ficam pelo caminho. Os que podem pagar, com toda a certeza, sendo "excelentes" ou não, arrumam uma vaga nas universidades particulares, que também vêm ganhando força por lá. E a "excelência" é formada quase que completamente pelos jovens ricos, que devido à inexistência da preocupação com o mundo do trabalho podem investir mais tempo e recursos na própria formação.

Em países periféricos da Europa, como Portugal, a situação é mais grave. As universidades tendem a se transformar em imensos "escolões", já que não cabe a este país produzir conhecimento nenhum – a não ser nos centros de pesquisa financiados pelas corporações. Os que podem pagar que mandem seus filhos para alguma universidade particular dos países centrais.

Chegou, então, a vez do Brasil aderir a este protocolo, já que a Reforma Universitária se apresenta incompleta. Antes de ser um projeto que saiu da cabeça de um reitor ou do próprio Ministério da Educação (MEC), a proposta apresentada como última novidade (a Universidade Nova) é um processo mundial de adaptação das universidades à nova dinâmica de acumulação do capital, e é importante que os movimentos que lutam contra a total transformação da educação em mercadoria compreendam o que se passa. O projeto Universidade Nova não esconde em momento nenhum que segue esta linha de reformas e explicita, sem nenhuma vergonha, o tipo de trabalhador que deseja criar.

A ironia da história (ou sua tragédia) é que depois de décadas sem saber do seu papel na sociedade, a universidade aponta novamente para um projeto, e finalmente tem a chance de estar atrelada a uma realidade maior. Depois da falência do projeto nacional-desenvolvimentista burguês não se ouviu mais falar de algo que ligasse a Universidade a alguma dinâmica de acumulação do capital, muito menos à emancipação dos trabalhadores. Ficou ela entregue a auto-reprodução da burocracia acadêmica. De certo, a Universidade Nova é um projeto modernizador, porém se trata de mais uma “modernização conservadora” como todas as outras formas de modernização impostas que aconteceram neste país. Se é moderno ou não, pouco importa. Os questionamentos devem ser outros. O que se deve querer saber é quais interesses este projeto vem atender e de que forma setores antes excluídos serão ainda mais marginalizados. Mas é importante também pontuar que a Universidade Nova em nada se aproxima do projeto nacional-desenvolvimentista burguês, aliás, vai exatamente contra ele, e por isso não pode passar de uma falsificação histórica colocar em Darcy Ribeiro e Anísio Teixeira como as principais referências.

Isso significa que a Reforma Universitária terminou? Não exatamente. Ela provavelmente terá que ser repensada, mas não mudará muito sua linha. A Universidade Nova é completamente conciliatória com a Reforma Universitária porque não prevê mais recursos estatais para as universidades e aponta para o financiamento ainda maior das universidades particulares. Ainda mais: a Reforma Universitária atacava inevitavelmente alguns setores da burocracia acadêmica, que agora se sentem contemplados pela Universidade Nova. Esses setores viam na Reforma Universitária um ataque à sua autonomia de vender a universidade. Agora a Universidade Nova resolve esta questão, conferindo ainda mais poderes à burocracia, legitimando e provavelmente legalizando sua ação.

E é na defesa da autonomia que a Universidade Nova produz seu maior trunfo, tentando passar a idéia de que nasceu na base do diálogo com a comunidade acadêmica e é apresentado por porta-vozes eleitos democraticamente (os reitores) – ao contrário da Reforma Universitária que era uma imposição do MEC (e do FMI, do Banco Mundial, etc.). Na verdade eles – os reitores – só seguem o script, que poderia tranquilamente também ser seguido pelo MEC, se já não estivesse tão desgastado. O que já está nítido é que uma articulação entre os reitores e o governo se consolidou para atender a interesses do novo capital.

Mais do que isso. A Universidade Nova surge com uma estratégia inteligente de incorporar de forma corrompida as demandas dos movimentos que lutam pela educação. Apresenta-se, para camuflar seu caráter segregador, como a alternativa para o fim do vestibular e para o aumento do número das vagas. Sem muito esforço é fácil demonstrar que nada disso é verdade, mas como não há um movimento significativo de resistência a este projeto, e seus defensores têm cada vez mais acesso aos meios de comunicação de massa, tudo é colocado como verdade e consenso. O máximo que se conseguiu pensar para substituir o vestibular é o ENEM, exame que carrega consigo muito mais problemas do que a maioria dos vestibulares. Além do que, o verdadeiro vestibular passaria a acontecer na passagem dos Bacharelados Interdisciplinares (BI's) para os cursos especializados, que com o aumento da autonomia das burocracias acadêmicas, a seleção passaria a atender aos interesses de grupos particulares. Assim, a verdadeira universidade, a do segundo momento, devido ao gargalo criado entre os BI's e os próximos ciclos, pode passar a ter menos estudantes do que a atual, escolhidos propositadamente para reproduzirem mecanicamente o saber ou para produzirem conhecimento subordinado aos interesses do capital.

Por sua vez, só o apego da esquerda brasileira à universidade burguesa, inclusive do setor mais radical, pode explicar a tentativa, por parte dos defensores da Universidade Nova, de associar o projeto do novo capital às referências nacionais (Darcy Ribeiro e Anísio Teixeira). É por esse apego aos ideais nacional-desenvolvimentistas que a esquerda brasileira sempre se mostrou incapaz de elaborar um projeto de universidade que tenha um papel importante na organização e na melhoria de vida dos trabalhadores. Assim, mesmo neste momento de reorganização, se restringem às palavras de ordem do tipo "mais verbas para educação" ou "pela universidade pública, gratuita e de qualidade", objetivos um tanto o quanto vazios para quem reivindica uma reorganização classista. Afinal, será que a burocracia acadêmica também não defende seu posto com a busca de mais verbas para educação? E o que significa "qualidade" neste novo contexto?

Para agravar a situação, já há indícios que este projeto pode ser aprovado por decreto, sem ter que enfrentar os debates que a Reforma Universitária encontrou pela frente. Mas enquanto isto pouco se tem dito de forma mais elaborada sobre os prováveis efeitos desta transformação das universidades. Nenhum dos grandes grupos da esquerda brasileira aponta para pretensão de expandir este debate para o conjunto da classe trabalhadora, chamando-a para construir uma contraproposta. Até agora tudo não passa de um debate feito dentro de um movimento estudantil dividido que não conta com o apoio significativo nem dos professores nem dos técnicos. A maior parte da oposição de esquerda usa o debate sobre os rumos da universidade como palanque para bater nos governos, mas não há uma preocupação real de construir uma universidade de caráter popular.

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Notas

[1] Já na década de 1990, idealizando a Universidade Estadual do Norte Fluminense, Darcy Ribeiro se colocou explicitamente contra a participação estudantil nas decisões dos rumos da universidade, mostrando que só parcialmente defendia a mesma universidade dos estudantes de córdoba de 1918 (ver texto A Universidade do Terceiro Milênio, republicado no livro O Brasil como problema, de 1995). Neste aspecto, e é importante frisar, nunca houve aliança com os estudantes, já que a UNE defendia a co-gestão entre os três setores (professores, estudantes e técnicos). A UNE sustentou esta bandeira até a posse do governo Lula, quando suas preocupações passaram a ser outras.

[2] Em 1964, logo após o Golpe, a UnB foi invadida por tropas do exército e da Polícia Militar. Anísio Teixeira, reitor na época, foi demitido do cargo e a reitora que o substituiu, Laerte Ramos de Carvalho, pediu a demissão imediata de 15 professores. Diante da situação, mais 233 professores pediram suas cartas, desfalcando a UnB de 80% dos seus quadros.

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Referências bibliográficas

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Manifesto de Córdoba. Disponível em: www.fmmeducacion.com.ar/Historia/Documentoshist/1918universidad.htm>. Acessado em: maio de 2007.

MARINI, Ruy Mauro. Dialética do desenvolvimento capitalista no Brasil. In: Dialética da Dependência. SADER, Emir (org.). Rio de Janeiro: Editora Vozes, 2000.

Reitoria da Universidade Federal da Bahia. Projeto Universidade Nova. Disponível em: <http://www.universidadenova.ufba.br>. Acessado em: maio de 2007.

RIBEIRO, Darcy. A Universidade do Terceiro Milênio. In: RIBEIRO, Darcy. O Brasil como problema. Rio de Janeiro: Editora Francisco Alves, 1995.

RIBEIRO, Darcy. A Universidade Necessária. 3. ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1978.

TRAGTENBERG, Maurício. A Delinqüência Acadêmica. In: Sobre educação, política e sindicalismo. TRAGTENBERG, Maurício. São Paulo: Editora UNESP, 2004.

UnB. Um profundo conhecedor da UnB. Disponível em: <http://www.unb.br/acs/unbagencia/ag1005-31.htm>. Acessado em: maio de 2007.

UNE - União Nacional dos Estudantes. Oclae: muito além dos 40. Disponível em: <http://www.une.org.br/home3/opiniao/artigos/m_7646.html>. Acessado em: maio de 2007.


terça-feira, 3 de julho de 2007

Dois de Julho também é dia de lutar contra a Universidade Nova!

[Daniel Caribé – Militante d@ Comuna]
[Luamorena Leoni - Militante do DAMED]

Estudantes de Medicina, da Universidade Federal da Bahia, saem às ruas no Dois de Julho, dia da Independência do estado, para protestar contra a Universidade Nova. De forma irreverente e com muita animação, chamaram a atenção da população com paródias de músicas e ataques à reitoria.

Dois de Julho é o dia em que o povo baiano relembra sua libertação do colonialismo. Após o tranqüilo 7 de Setembro em 1822, em diversas partes do país se desencadearam lutas que buscavam confirmar a emancipação do Brasil. Mas foi quase um ano depois, no dois de Julho de 1823, que o proletariado baiano (ou a camada da população que mais a frente formaria um) viria a derrotar definitivamente o antigo colonialismo nas batalhas que se estenderam pela região que forma hoje o Recôncavo Baiano e a periferia da cidade de Salvador.

E, ainda que as elites soteropolitanas tentem, a cada novo 2 de Julho, alienar o valor histórico desta data e impor-lhe um outro valor que não o da luta, o povo sempre volta às ruas para reafirmar que a sua libertação ainda não é finda, e mostrar aos que vivem da exploração do trabalho alheio que, assim como não há o fim da história, não houve o "fim do jogo".

"Ele, ele, é traidoooor! É traidoooor! É TRAIDOR!"

Este ano, derrotado o carlismo nas últimas eleições, tudo indicava que seria uma grande festa dos petistas. Porém, os fatos dos últimos dias, principalmente a persistência da greve dos professores do ensino público, mostraram que as práticas de autoritarismo e descaso continuam vivas naqueles que detêm o poder do Estado.

Em quase toda a primeira parte do trajeto, que vai da Lapinha ao Terreiro de Jesus (principal praça do Pelourinho), o governador Jacques Wagner foi recebido com vaias pela população. Foi a forma que os baianos descobriram para dizer que vencidas várias batalhas, dos portugueses ao carlismo, o governo do PT só representa o continuísmo.

O PT, que durante muito tempo desfilou o percurso achando-se a encarnação dos Heróis da Independência, teve, este ano, um "tratamento diferenciado" – prova de que para os trabalhadores, cada vez mais, Estado e luta não combinam. Enquanto os petistas e seus novos aliados eram vaiados pela população, a maior ala do desfile, vestida toda de preto, recebia os aplausos por onde passava: eram os professores do estado que há 55 dias resistem em greve, mesmo tendo os salários cortados pelo governo. A resposta à criminalização dos docentes estaduais, encampada pela imprensa carlista e pelo governo Wagner, foi dada nas ruas!

Estudantes de Medicina contra a Universidade Nova e a Universidade Livre!

Mas o 2 de Julho foi dia também de protestar contra a Universidade Nova. Estudantes de medicina, da Universidade Federal da Bahia, organizaram a sua própria ala e durante todo o trajeto desfilaram de forma irreverente e politizada, protestando contra o Universidade Nova e seus sub-projetos.

Um destes sub-projetos, a "Universidade Livre", representa, apesar do nome, a rendição física da universidade ao capital internacional – a nova política de extensão da Universidade Federal da Bahia, se redefinida a partir deste projeto, terá como público-alvo prioritário os "parceiros do hemisfério Norte". Trocando em miúdos, a idéia é oferecer cursos pagos durante os verões do Sul e do Norte para estudantes estrangeiros – para tal, a verba destinada à recuperação do prédio da Faculdade de Medicina (o de maior área de todo o Pelourinho!) seria direcionada para adaptar a estrutura física às necessidades da clientela internacional: criação de um café, restaurante, mirante, passarela, mini-shopping e, como não poderia deixar de ser, um “mini-albergue”.

Dentre os "parceiros do Hemisfério Sul" destacam-se o Instituto de Hospitalidade – instituição que busca organizar o acolhimento de Salvador aos turistas nacionais e internacionais – Bancos e empresas em geral. Vale frisar que os planos do Instituto de Hospitalidade para o prédio da FAMEB no Terreiro de Jesus não datam de agora, e que o seu conselho diretor tem uma composição muito sugestiva – a ODEBRECHT (empreiteira soteropolitana/reduto carlista), Gol Linhas Aéreas e, como não poderia deixar de ser, o prof. Naomar Monteiro de Almeida Filho, o Rei-Thor da UFBA. A alusão a ACM não é mera coincidência – não podemos esquecer a mágica da revitalização do pelourinho, realizada durante o governo dele, na década de 90: feita para os turistas. À população preta e pobre do pelourinho, despejada de suas próprias casas, restou o apartheid e o "jeitinho brasileiro", coisa de quem nasce e a primeira coisa que aprende é a resistir – Ò PAÍ, Ó!

"Êta! Êta, Êta, Êta! Essa UniNova é coisa de Picareta!"

Além de serem contra a neo-colonização dos prédios da UFBA – reflexo físico da colonização do conhecimento produzido aqui, já em curso, e que tem no REUNI, a UniNova imposta por Lula, a sua expressão objetiva - os estudantes de medicina também colocaram em xeque os Bacharelados Interdisciplinares, a falácia do fim do vestibular. Demonstraram, com as suas paródias, consciência de quem ganha e quem perde com a esse projeto:

"No BI a turma é grande, mas a educação é pequena"

e reafirmaram que não querem nem a Universidade Nova, nem a velha, mas uma universidade ligada às demandas dos trabalhadores:

"Se ligue meu irmão,

Não aceitamos a imposição:

Qualquer mudança

tem que vir do povo,

Isso nós não largamos de mão!"

A Manifestação terminou no Terreiro de Jesus: os estudantes aproveitaram que a primeira parte do desfile terminava exatamente em frente ao prédio da FAMEB no Pelourinho e estenderam suas faixas para reafirmar publicamente que há resistência aos planos do Reitor Naomar, coisa que vem fazendo desde o dia 20/06 (quando paralisaram as atividades acadêmicas e fizeram uma passeata dentro do campus do Canela cujo fim foi a Reitoria da UFBA).


quarta-feira, 27 de junho de 2007

A Privadização do Templo

[Por Rafael Zanatto]

Meus caros, minhas caras,

Convido-vos a um pequeno exercício de reflexão.

Leiam o relato que vem nesta mensagem. Quem o escreveu foi um aluno da Unesp, um dos sete expulsos do campus de Franca há dois anos atrás, que agora estuda noutro campus. Mas antes de transcrever o relato, faço uma pergunta, a vocês e a mim mesmo. A censura interna nos grandes órgãos de comunicação e a deturpação sistemática dos acontecimentos dever-se-á apenas à necessidade de enganar que caracteriza as elites dominantes ou dever-se-á também à necessidade sentida por muitas pessoas de serem enganadas para justificarem a si mesmas a passividade e a indiferença em que preferem viver?

Cordialmente,

João Bernardo


A universidade pública há muito, se não sempre, tem deixado a desejar em suas responsabilidades a que a concentração de saber a obriga. A difusão do conhecimento para campos menos restritos da sociedade têm-se demonstrado ineficaz devido ao descompasso entre a real responsabilidade que o termo universal emprega e a prática universitária. Cada vez mais, a universidade se transforma em uma vanguarda estritamente pensante voltada aos valores mercadológicos das idéias. As produções acadêmicas, voltadas ao mercado, vêm a reafirmar um processo em andamento há algum tempo e a cada medida pública tomada têm-se a percepção de que o esboço traçado pelos trâmites burocráticos cada vez mais se concretiza. A privatização da universidade pública está em um processo desenfreado de concretização.

Esse processo não é atual. Historicamente, a intelectualidade se originou bem longe dos antros acadêmicos. No início, a produção do conhecimento humano se desenvolvia nos guetos. Os intelectuais viviam em bairros repletos de quartos de aluguel baratos, caminhavam pelas ruas cercadas de restaurantes modestos e cafés em que o calor do debate se desenvolvia livre das normas que o capital impõe sobre as produções acadêmicas de hoje em dia. O saber se desenvolvia na vida inconstante. A instabilidade proporcionava a constante renovação intelectual daquelas tão brilhantes e florescentes gerações que faziam do álcool, da música e das demais substâncias que incandesciam a criatividade humana, impulsionando a expansão da percepção, a criação do novo. O fervor intelectual de antes, que se alastrava livremente pelas ruas contaminando as pessoas com a sede de conhecimento, supria a necessidade inflexiva do âmago humano. Hoje, infelizmente a chama da produção do conhecimento tende cada vez mais a desaparecer.

A universidade, abastecida pela capitalização de alguns intelectuais envelhecidos, cansados da boêmia e da instabilidade de suas vidas, trocaram os guetos pelos campi universitários, do qual passaram a ministrar aulas em que transmitiam seu conhecimento adquirido através de uma vida de revezes a jovens sem a inconstância em que fora forjada a lâmina que despe os valores morais, condição necessária para otimizar a produção do conhecimento. Não há aprendizado que não seja realmente aprendido na prática. A prática determina uma ótica crítica. O efeito é terrível. Grandes quantidades de jovens apáticos entram e saem da universidade da mesma maneira, acostumados com o mínimo. Eles não compartilham mais da sede, da inconstância, da reformulação do pensamento. E se não há reformulação ou desconstrução, a causa exposta em regressão, expressa o efeito meramente reprodutivo do conhecimento. Há hoje, entre os habitantes do cofre do conhecimento, um consenso. As facilidades que a reprodução permite compassa perfeitamente com a tecnização por qual passa a humanidade. O capital cada vez mais treina máquinas biológicas necessárias para a movimentação de suas engrenagens. A universidade, repleta por essa geração de professores acadêmicos, discípulos dos intelectuais do passado, não mais fazem valer o costume de o discípulo superar o mestre.

A universidade no atual momento, já sepulta em seus corredores o último fiasco do novo que resta de seu passado. Pelas ruas, não mais se ouve o grito dos intelectuais, não mais se ouve canções subversivas que no início emanavam da universidade na década de 60. O conhecimento cada vez mais se dissipa na especialização que o ideário mercadológico das produções de teses exige. Mas, como essas palavras jogadas e dispostas em ordem estritamente irracional podem ser vinculadas às medidas totalizadoras que o governo Serra implementou, com o estabelecimento das secretarias de ensino superior?

Com o estabelecimento das secretarias, toda a verba destinada às universidades públicas paulistas (USP, Unesp e Unicamp) passariam antes por uma comissão fiscal, que avaliaria a viabilidade dos projetos que fossem encaminhados a esse departamento. Alguns talvez perguntem: qual o significado disso tudo? O que mudaria na vida universitária? Poderia aqui expor uma grande gama de micro projetos e novas articulações burocráticas por qual seria fácil adaptar novos mecanismos de corrupção, além dos atuais existentes, mas procurarei me ater às conseqüências diretas.

A implantação das secretarias significaria a perda da autonomia que a burocracia universitária tem em gastar a verba pública que lhe já é escassa. As verbas das universidades públicas foram mantidas estáticas, não acompanharam simultaneamente as políticas de expansão de cursos superiores que o governo anterior e o atual vêm desenvolvendo. Com a expansão dos cursos e a manutenção da verba em um mesmo percentual, duas conseqüências comprometedoras recaem sobre a organização universitária. Com a escassez da verba, alguns cursos superiores que favorecem diretamente a multiplicação do capital, como as áreas voltadas à tecnologia, recorrem ao capital externo, sobrevivendo dessa maneira, capitalizando diretamente a produção do conhecimento. Já outras áreas do pensamento, como as ciências humanas, e quando digo humanas, me refiro às disciplinas voltadas ao real significado que o termo "humano" demanda, e assim, conceituando, excluo dessa definição as ciências jurídicas, por entender que a preservação do "direito de exploração" de um indivíduo sobre outro não compactuam com a minha real intenção de lapidar um termo adequado que defina as ciências "humanas". Essas ciências são condenadas ao sucateamento quase que imediato, se reconhecermos que nessa área do conhecimento, o retorno de capital ao mercado se faz paulatino, em contradição com o retorno de capital quase que instantâneo nas áreas mercadológicas. A privatização da universidade está em um processo desenfreado de finalização, e tais medidas governamentais só materializam tais afirmativas.

Aos estudantes, a perda de autonomia das universidades dificultaria ainda mais as lutas estudantis, devido à construção de outra barreira intransponível na máquina burocrática. Algumas exigências, por exemplo, moradia estudantil, bolsas de apoio, refeições a preços acessíveis, professores renovadores, aproximações com os ambientes sociais e as demais exigências que ecoam silenciosamente nas mentes intranqüilas dos estudantes, não poderiam ser exigidas diretamente as tradicionais ordens burocráticas locais, as decisões passariam a ser decididas centralmente, longe dos focos a onde seriam empregados o capital. Em decorrência, há um entrave nas lutas estudantis, tanto logística como burocraticamente.

Da ineficácia da qual é intrínseca à implantação das secretarias, nos resta apontar mais alguns aspectos que comprometem, não apenas em longo prazo, mas o cotidiano das unidades de ensino superior. Algumas medidas administrativas vinculadas ao propósito de obras emergenciais ou expansão infra-estrutural necessária para o andamento normal das atividades acadêmicas seriam submetidas à secretaria que avaliaria a real necessidade do projeto. Mas como desvincular localmente decisões que cabem senão à localidade, às unidades em si! Tal ignorância me parece assombrosa. Mas esta é a questão, não há ignorância, há um desejo sádico incrustado na superfície desse decreto inescrupuloso e vil. Um desejo que só é explicado pelo egoísmo tão particular dos políticos, em seu desejo incessante de controlar e julgar.

O que está em jogo hoje não é apenas mais um passo ao controle desenfreado do autoritarismo empreendido nessa questão pelo estado, mas a finalização de um processo que já está em andamento há anos, a privatização está em fase de consolidação. Resta aos resquícios da intelectualidade resistir a tais medidas. Não abandonem o templo, professores acadêmicos! Qualquer consenso há médio prazo, será prejudicial à manutenção da universidade como bem público. Não há como haver acordo, e os estudantes da USP, Unesp e Unicamp estão cientes de que um desfecho que não seja o recuo estatal, sepultará o que resta do podre cadáver que se converteu a universidade. A luta cada vez mais se expande. As unidades satélites das universidades estaduais se colocam em greve sob tais exigências: Não à burocratização. Não ao sucateamento. Não à capitalização do conhecimento! Não ao partidarismo. Pela liberdade incondicional, pela luta, pelo futuro.