UM CONVITE...

Quando uma sociedade é incapaz de criar as justificativas da sua existência, modifica imediatamente os mecanismos de produção das ideologias. A universidade sempre foi um desses mecanismos. Mas se a universidade já não pode mais dar resposta ao atual estágio de dominação, é porque de alguma forma as pessoas começaram a despertar. Deixaremos mais uma vez os soníferos discursos das modernizações conservadoras nos colocarem na cama ou nos levantaremos definitivamente? Fazemos, então, um convite à rebeldia e à criatividade. Não podemos aceitar a velha universidade burocratizada, nem a UNIVERSIDADE NOVA colonizada. Construamos nós, junto aos trabalhadores, a Universidade Popular!

COMUNA


quarta-feira, 27 de junho de 2007

A Privadização do Templo

[Por Rafael Zanatto]

Meus caros, minhas caras,

Convido-vos a um pequeno exercício de reflexão.

Leiam o relato que vem nesta mensagem. Quem o escreveu foi um aluno da Unesp, um dos sete expulsos do campus de Franca há dois anos atrás, que agora estuda noutro campus. Mas antes de transcrever o relato, faço uma pergunta, a vocês e a mim mesmo. A censura interna nos grandes órgãos de comunicação e a deturpação sistemática dos acontecimentos dever-se-á apenas à necessidade de enganar que caracteriza as elites dominantes ou dever-se-á também à necessidade sentida por muitas pessoas de serem enganadas para justificarem a si mesmas a passividade e a indiferença em que preferem viver?

Cordialmente,

João Bernardo


A universidade pública há muito, se não sempre, tem deixado a desejar em suas responsabilidades a que a concentração de saber a obriga. A difusão do conhecimento para campos menos restritos da sociedade têm-se demonstrado ineficaz devido ao descompasso entre a real responsabilidade que o termo universal emprega e a prática universitária. Cada vez mais, a universidade se transforma em uma vanguarda estritamente pensante voltada aos valores mercadológicos das idéias. As produções acadêmicas, voltadas ao mercado, vêm a reafirmar um processo em andamento há algum tempo e a cada medida pública tomada têm-se a percepção de que o esboço traçado pelos trâmites burocráticos cada vez mais se concretiza. A privatização da universidade pública está em um processo desenfreado de concretização.

Esse processo não é atual. Historicamente, a intelectualidade se originou bem longe dos antros acadêmicos. No início, a produção do conhecimento humano se desenvolvia nos guetos. Os intelectuais viviam em bairros repletos de quartos de aluguel baratos, caminhavam pelas ruas cercadas de restaurantes modestos e cafés em que o calor do debate se desenvolvia livre das normas que o capital impõe sobre as produções acadêmicas de hoje em dia. O saber se desenvolvia na vida inconstante. A instabilidade proporcionava a constante renovação intelectual daquelas tão brilhantes e florescentes gerações que faziam do álcool, da música e das demais substâncias que incandesciam a criatividade humana, impulsionando a expansão da percepção, a criação do novo. O fervor intelectual de antes, que se alastrava livremente pelas ruas contaminando as pessoas com a sede de conhecimento, supria a necessidade inflexiva do âmago humano. Hoje, infelizmente a chama da produção do conhecimento tende cada vez mais a desaparecer.

A universidade, abastecida pela capitalização de alguns intelectuais envelhecidos, cansados da boêmia e da instabilidade de suas vidas, trocaram os guetos pelos campi universitários, do qual passaram a ministrar aulas em que transmitiam seu conhecimento adquirido através de uma vida de revezes a jovens sem a inconstância em que fora forjada a lâmina que despe os valores morais, condição necessária para otimizar a produção do conhecimento. Não há aprendizado que não seja realmente aprendido na prática. A prática determina uma ótica crítica. O efeito é terrível. Grandes quantidades de jovens apáticos entram e saem da universidade da mesma maneira, acostumados com o mínimo. Eles não compartilham mais da sede, da inconstância, da reformulação do pensamento. E se não há reformulação ou desconstrução, a causa exposta em regressão, expressa o efeito meramente reprodutivo do conhecimento. Há hoje, entre os habitantes do cofre do conhecimento, um consenso. As facilidades que a reprodução permite compassa perfeitamente com a tecnização por qual passa a humanidade. O capital cada vez mais treina máquinas biológicas necessárias para a movimentação de suas engrenagens. A universidade, repleta por essa geração de professores acadêmicos, discípulos dos intelectuais do passado, não mais fazem valer o costume de o discípulo superar o mestre.

A universidade no atual momento, já sepulta em seus corredores o último fiasco do novo que resta de seu passado. Pelas ruas, não mais se ouve o grito dos intelectuais, não mais se ouve canções subversivas que no início emanavam da universidade na década de 60. O conhecimento cada vez mais se dissipa na especialização que o ideário mercadológico das produções de teses exige. Mas, como essas palavras jogadas e dispostas em ordem estritamente irracional podem ser vinculadas às medidas totalizadoras que o governo Serra implementou, com o estabelecimento das secretarias de ensino superior?

Com o estabelecimento das secretarias, toda a verba destinada às universidades públicas paulistas (USP, Unesp e Unicamp) passariam antes por uma comissão fiscal, que avaliaria a viabilidade dos projetos que fossem encaminhados a esse departamento. Alguns talvez perguntem: qual o significado disso tudo? O que mudaria na vida universitária? Poderia aqui expor uma grande gama de micro projetos e novas articulações burocráticas por qual seria fácil adaptar novos mecanismos de corrupção, além dos atuais existentes, mas procurarei me ater às conseqüências diretas.

A implantação das secretarias significaria a perda da autonomia que a burocracia universitária tem em gastar a verba pública que lhe já é escassa. As verbas das universidades públicas foram mantidas estáticas, não acompanharam simultaneamente as políticas de expansão de cursos superiores que o governo anterior e o atual vêm desenvolvendo. Com a expansão dos cursos e a manutenção da verba em um mesmo percentual, duas conseqüências comprometedoras recaem sobre a organização universitária. Com a escassez da verba, alguns cursos superiores que favorecem diretamente a multiplicação do capital, como as áreas voltadas à tecnologia, recorrem ao capital externo, sobrevivendo dessa maneira, capitalizando diretamente a produção do conhecimento. Já outras áreas do pensamento, como as ciências humanas, e quando digo humanas, me refiro às disciplinas voltadas ao real significado que o termo "humano" demanda, e assim, conceituando, excluo dessa definição as ciências jurídicas, por entender que a preservação do "direito de exploração" de um indivíduo sobre outro não compactuam com a minha real intenção de lapidar um termo adequado que defina as ciências "humanas". Essas ciências são condenadas ao sucateamento quase que imediato, se reconhecermos que nessa área do conhecimento, o retorno de capital ao mercado se faz paulatino, em contradição com o retorno de capital quase que instantâneo nas áreas mercadológicas. A privatização da universidade está em um processo desenfreado de finalização, e tais medidas governamentais só materializam tais afirmativas.

Aos estudantes, a perda de autonomia das universidades dificultaria ainda mais as lutas estudantis, devido à construção de outra barreira intransponível na máquina burocrática. Algumas exigências, por exemplo, moradia estudantil, bolsas de apoio, refeições a preços acessíveis, professores renovadores, aproximações com os ambientes sociais e as demais exigências que ecoam silenciosamente nas mentes intranqüilas dos estudantes, não poderiam ser exigidas diretamente as tradicionais ordens burocráticas locais, as decisões passariam a ser decididas centralmente, longe dos focos a onde seriam empregados o capital. Em decorrência, há um entrave nas lutas estudantis, tanto logística como burocraticamente.

Da ineficácia da qual é intrínseca à implantação das secretarias, nos resta apontar mais alguns aspectos que comprometem, não apenas em longo prazo, mas o cotidiano das unidades de ensino superior. Algumas medidas administrativas vinculadas ao propósito de obras emergenciais ou expansão infra-estrutural necessária para o andamento normal das atividades acadêmicas seriam submetidas à secretaria que avaliaria a real necessidade do projeto. Mas como desvincular localmente decisões que cabem senão à localidade, às unidades em si! Tal ignorância me parece assombrosa. Mas esta é a questão, não há ignorância, há um desejo sádico incrustado na superfície desse decreto inescrupuloso e vil. Um desejo que só é explicado pelo egoísmo tão particular dos políticos, em seu desejo incessante de controlar e julgar.

O que está em jogo hoje não é apenas mais um passo ao controle desenfreado do autoritarismo empreendido nessa questão pelo estado, mas a finalização de um processo que já está em andamento há anos, a privatização está em fase de consolidação. Resta aos resquícios da intelectualidade resistir a tais medidas. Não abandonem o templo, professores acadêmicos! Qualquer consenso há médio prazo, será prejudicial à manutenção da universidade como bem público. Não há como haver acordo, e os estudantes da USP, Unesp e Unicamp estão cientes de que um desfecho que não seja o recuo estatal, sepultará o que resta do podre cadáver que se converteu a universidade. A luta cada vez mais se expande. As unidades satélites das universidades estaduais se colocam em greve sob tais exigências: Não à burocratização. Não ao sucateamento. Não à capitalização do conhecimento! Não ao partidarismo. Pela liberdade incondicional, pela luta, pelo futuro.

6 comentários:

Anônimo disse...

Zanatto ótima conclusão da manipulação "tranquila" que há no meio Universitário, Creio eu que tal manipulação descrita em 97 ocorre de maneira muito mais corrente e frequente hoje no total medo dos diretores de tais faculdades a não ter um punho forte quando se subjugam a acatar decisões fazendo alusões a seu futuro acadêmico com a preocupação de sofrer represálias de "amigos" de profissão quando deveriam fazer o total contrario desconcertar o meio acadêmico e adquirir total independência politica nas decisões que dizem respeito a instituição, o aqui. divulguemos as idéias abraço. guito.

Anônimo disse...

gdata errada 2007 é nós. guito

André Diniz disse...

Meu caro amigo, tudo isso vai depender de nós; de mim, de vc e de todos. Não me conformo com tamanha hipocrisia e ignorância. Falo das pessoas que nascem, crescem e empacam na medíocridade, na manipulação e na covardia. Todos somos livres e elas sabem disso; só não querem se desprender, com medo de não viver !!! É , viver !!! Acham que se forem indepedentes do sistema, não sobreviverão, ou se auto-excluir-ar-se-ão... é fácil, basta agir com soberania, e rebater as imposições com sabedoria. Ter fé, amor e confiar no poder do bem comum !! Luto pelo respeito, luto pela liberdade, luto pelo futuro; luto pelo presente, e viva o passado... só ele poderá nos salvar !!
André Diniz.

André Diniz disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
André Diniz disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
Anônimo disse...

Ótimo texto, muito elucidativo a respeito da situação miserável para qual academia caminha a passos largos. O lamentável é constatar que são poucos, dentre os integrantes das universidades públicas, que têm consciência de que sua formação deveria ultrapassar os limites do mercado. Mesmo dentro dos cursos de ciências humanas, a perspectiva raramente contempla algo além de uma pesquisa que será apenas utilizada como degrau para subir as escadas da pseudo elite intelectual do país.
Precisamos disseminar ideias como estas, desse texto, essa é a nossa ferramenta.