UM CONVITE...

Quando uma sociedade é incapaz de criar as justificativas da sua existência, modifica imediatamente os mecanismos de produção das ideologias. A universidade sempre foi um desses mecanismos. Mas se a universidade já não pode mais dar resposta ao atual estágio de dominação, é porque de alguma forma as pessoas começaram a despertar. Deixaremos mais uma vez os soníferos discursos das modernizações conservadoras nos colocarem na cama ou nos levantaremos definitivamente? Fazemos, então, um convite à rebeldia e à criatividade. Não podemos aceitar a velha universidade burocratizada, nem a UNIVERSIDADE NOVA colonizada. Construamos nós, junto aos trabalhadores, a Universidade Popular!

COMUNA


domingo, 7 de setembro de 2008

A ESCOLA ANARQUISTA NA PRIMEIRA REPÚBLICA

Angela Maria Souza Martins - UNIRIO

Introdução

Pesquisamos a instituição da escola anarquista no contexto educacional brasileiro, no período da Primeira República. Consideramos que o movimento anarquista possibilitou uma reflexão significativa sobre a teoria pedagógica e as práticas escolares. No Brasil, as idéias pedagógicas da educação anarquista vieram por meio de imigrantes espanhóis, portugueses e italianos.

No início do século XX, começou uma propaganda sistemática do anarquismo e do anarco-sindicalismo, no Brasil. Foram criadas algumas escolas, publicados muitos jornais e realizadas várias atividades culturais com o intuito de divulgar o ideário libertário. Nesse período, acentua-se o debate sobre o papel social e político da escola, pois os anarquistas pretendiam romper com a hegemonia da educação ministrada pela Igreja e pelo Estado, por isso buscavam implantar uma escola que utilizasse a pedagogia racional libertária. Os anarquistas acreditavam que por meio da ação educacional transformariam as relações sociais e econômicas, com a intenção de instituir uma sociedade: fraterna, igualitária e democrática. A educação torna-se um importante campo doutrinário.

O movimento anarquista acreditava que uma proposta educacional baseada na razão e na liberdade poderia superar as superstições e os dogmas da educação confessional, como também enfrentar a doutrinação do Estado. Segundo Lima (Cf. Lima, 1915), o homem vem ao mundo com predisposições, estas podem ser transformadas e aperfeiçoadas pela atuação da educação e do meio. Assim, a educação é um meio importante para mudar valores e princípios, que são fundamentais para a implantação de um novo tipo de sociedade.

Em nossa pesquisa, nos chamou a atenção a junção das categorias racional e libertária, o que nos fez mergulhar no estudo das origens dessas categorias e como elas influenciaram a pedagogia racional libertária, além desse estudo teórico fizemos o levantamento de vários periódicos, do início do século XX, que veiculavam as idéias anarquistas e também outras tendências socialistas, como por exemplo: O livre Pensador, O amigo do Povo, A Terra Livre, O Libertário, O Socialista, A Lanterna, O Trabalhador, A Voz do Trabalhador, A Vida, A Plebe, Tribuna do Povo, A Liberdade, entre outros.

Outra fonte histórica importante que localizamos foi o acervo de correspondência de Fábio Luz, no Arquivo Nacional. Fábio Luz foi um anarquista que passou despercebido dos estudos acadêmicos brasileiros. As fontes históricas encontradas são muito ricas e temos a possibilidade de apresentar informações que devem ser mais aprofundadas para compreender melhor a inserção da pedagogia libertária no Brasil.

A inserção da escola anarquista no Brasil

Ao iniciar o século XX, intensificou o fluxo da imigração italiana e espanhola, estes imigrantes trouxeram para o movimento sindical o ideário anarquista. A educação e as atividades culturais foram fundamentais para a divulgação do movimento anarquista. De acordo com os anarquistas, a abertura de escolas era uma estratégia cultural e política importante, porque essas instituições possibilitariam o desenvolvimento de mentes livres e racionais.

Com essa intenção foram criadas as Escolas Modernas no Brasil, baseadas na pedagogia racional libertária, inspiradas em Ferrer y Guardia. Estas escolas deveriam ser portadoras de práticas educativas que respeitassem a liberdade da criança, sua espontaneidade, sua independência e o espírito crítico.

De acordo com Luizetto (1986), a primeira Escola Moderna brasileira foi criada em maio de 1912, em São Paulo, foi dirigida pelo professor João Penteado, um anarquista, admirador de Ferrer y Guardia. A Escola Moderna nº 1, de São Paulo, tornou-se um paradigma da educação libertária no Brasil e recebeu o apoio de anarquistas e pessoas que ansiavam mudanças educativas: socialistas, livres-pensadores, entre outros. Essas pessoas criaram um Comitê Organizador da Escola Moderna "encarregado pelos representantes de vários centros liberais e associações econômicas de expor ao público o programa da Escola Moderna, angariar fundos e explicar as bases do ensino racionalista" (Luizetto, 1986, p.31).

Encontramos no periódico Terra Livre (1910) uma Exposição de Motivos que explicava os princípios que nortearam a proposta pedagógica da Escola Moderna: 1) libertação da criança da moral baseada no misticismo religioso e na política vigente; 2) desenvolver a inteligência e formar o caráter por meio da solidariedade; 3) o professor devia divulgar as verdades adquiridas pelo estudo da história e da ciência; 4) a escola deve tornar a criança um homem livre e completo. Segundo Luizetto (1986), a escola Moderna foi instalada em 13 de maio de 1912, na Rua Saldanha Marinho 66, no Belenzinho.

Essa escola tinha como objetivo ministrar uma educação livre de preconceitos. Seus alunos deveriam estar imbuídos de um espírito de observação e crítica racional de modo que enfrentassem a moral vigente e pudessem empreender a crítica a sociedade de então (Cf. Boletim da Escola Moderna, 1919).

Nesta escola, de acordo com o periódico A Plebe, de 1917:

"eram oferecidos três cursos: primário , médio e adiantado, no período diurno (das 11h 30m às 16h30m) e noturno (das 19h às 21h). O curso primário compunha-se das seguintes matérias: "Rudimentos de Português, Aritmética, Caligrafia e Desenho. O curso médio, de "Gramática, Aritmética, Geografia, Princípios de Ciência, Caligrafia e Desenho". E o curso adiantado, de "Gramática, Aritmética, Geografia, Noções de Ciências Físicas e Naturais, História, Geometria, Caligrafia, Desenho, Datilografia" (apud Luizetto, 1986, p.35-36).

A Escola Moderna usava o método racional e a co-educação de sexos e classes sociais e

a insistência no método racional era no sentido de combater o ensino dogmático baseado em fundamentos religiosos professado nas escolas estatais e confessionais, assim como demonstrava o sucesso entre os livres-pensadores das possibilidades apresentadas pelo conhecimento científico, inclusive essas propostas podiam descambar para uma postura positivista de ensino (Kassick, Neiva e Kassick, Clóvis, 2004, p.2).

Além da primeira Escola Moderna, criada, em São Paulo, no Belenzinho, na Revista A Vida, editada em 1915, é noticiada a criação de mais uma escola racionalista libertária em São Paulo,

Escola Nova

Acaba de instalar-se em São Paulo, à rua Alegria, 26 (sobrado), um instituto de instrução e educação, para meninos e meninas, e que se serve dos metodos racionaes e cientificos da pedagogia moderna.

As materias de ensino são ministradas em três cursos especiaes, primario, medio e superior.

Curso primario: portuguez, aritmetica, geografia, botanica, zoologia, caligrafia e desenho.

Curso medio: portuguez, aritmetica, geografia, mineralogia, botanica, zoologia, fisica, quimica, geometria, historia universal, caligrafia, desenho.

Curso superior: aritmetica, algebra, botanica, zoologia, mineralogia, fisica, quimica historia universal, geologia, astronomia, desenho, portuguez, italiano, espanhol, etc.

Os cursos primario e medio acham-se a cargo dos educacionistas Florentino de Carvalho e Antonio Soares.

O curso superior acha-se sob a direção de intelectuais de reconhecida competência, figurando entre eles o professor Saturnino Barbosa, Drs. Roberto Feijó, Passos Cunha, A. de Almeida Rego, Alfredo Júnior, os quaes lecionam materias de sua respectiva especialidade.

Como se vê, a Escola Nova é uma bela iniciativa, que merece todo o apoio dos amigos da educação racionalista (A Vida, 1915, p. 79-80).

Rodrigues (1992) afirma que no período de 1895 a 1920 foram criadas mais de quarenta escolas anarquistas, no Brasil. No estado do Rio de Janeiro foram instaladas: a Universidade Popular, do Centro Internacional dos Pintores, em 1904; a Escola Operária 1° de Maio, em 1919; a Nova Escola, em 1920; as Escolas Profissionais, fundadas pela União Operária, em diversas fábricas de tecidos, em 1920; a Escola Livre, criada pelos operários da indústria têxtil de Petrópolis, em 1920; a Escola da Liga da Construção Civil, no ano de 1921, em Niterói; a Escola Operária, do Centro de Resistência dos Cocheiros e a Escola Noturna de Artes e Ofícios.

Como afirmamos anteriormente as escolas anarquistas trabalhavam com a pedagogia racional libertária, esta pedagogia tinha como pressuposto enfrentar o processo de dominação e criar uma nova mentalidade, pautada em valores tais como: solidariedade, cooperação, igualdade e liberdade.

A pedagogia racional libertária

De acordo com os anarquistas, a escola não podia prescindir do método racional e da co-educação de sexos e classes sociais. A insistência no método racional era no sentido de combater o ensino dogmático baseado em fundamentos religiosos professado nas escolas estatais e confessionais.

Para os anarquistas, a racionalidade não era apenas um recurso epistemológico para atingir a verdade, mas um instrumento que possibilitava a libertação dos dogmas impostos pelas diferentes religiões. Assim, o anarquismo passa a enfatizar a racionalidade, a liberdade e a espontaneidade.

Eles consideram os indivíduos "unidades ativas, independentes, capazes de produzir e gerenciar em autogestão, sem as muletas políticas, religiosas, sem chefes: vai até onde a liberdade e a inteligência o possa levar" (RODRIGUES, 1999, p.3). Por isso não podiam aceitar as escolas mantidas pelo Estado capitalista, porque estas instituições eram orientadas por uma pedagogia autoritária, que reproduzia a opressão. A pedagogia autoritária era um meio para subjugar as pessoas com o intuito de fazê-las obedecer e pensar de acordo com os dogmas sociais. Esta postura impossibilitaria a construção do novo homem, autônomo, livre pensador, que poderia vencer todo tipo de dogmatismo. Nesse sentido, era necessário criar escolas com novos princípios pedagógicos.

Para a pedagogia libertária, a racionalidade e a liberdade são princípios fundamentais para promover mudanças básicas na estrutura da sociedade e substituir o estado autoritário por um modo de cooperação entre indivíduos livres. Esses princípios poderiam conduzir uma luta permanente pelos direitos e deveres de uma sociedade igualitária e seriam a base de uma educação integral, que tem como meta a capacitação dos oprimidos (Cf. Guardia, s/d).

Acreditavam que as crianças não nascem com idéias preconcebidas (Cf. Guardia, s/d), elas adquirem todos os seus princípios e valores ao longo da vida, por isso deve-se educar uma criança com noções positivas e verdadeiras, baseadas na experiência e na demonstração racional. A escola não deve trabalhar com limitações e dogmatismo.

A meta da educação é fazer com que meninos e meninas tornem-se pessoas instruídas, verdadeiras, justas e livres. Para tal, o ensino deve estar baseado na ciência, pois a consideram um patrimônio de todos e somente ela permite dissipar os erros. De acordo com Ferrer y Guardia (s/d), a ciência confere realidade às coisas e faz com que não caiamos nas malhas das fábulas ou sonhos. A ciência deve ser ensinada à criança desde a mais tenra idade, pois na primeira infância a vida é receptiva.

O estudo da ciência seria o fio condutor do currículo das escolas anarquistas, porque a meta era atingir uma educação moral orientada pelo racionalismo científico. Este racionalismo deveria estar a serviço do homem e não podia escravizá-lo, pois sua função era libertar os homens dos dogmas.

A educação racional deveria propiciar: uma base racional e científica ao ensino; uma educação completa e harmoniosa que desenvolvesse a formação da inteligência e do caráter e a preparação de uma pessoa física e moralmente equilibrada. De acordo com Ferrer y Guardia (s/d), o homem é um complexo de múltiplas facetas, ou seja, a conjugação de coração, inteligência e vontade, por isso não podemos habituar as crianças a obedecer, a crer e a pensar, segundo as diretrizes da pedagogia tradicional.

Os anarquistas preconizavam os métodos ativos, com a finalidade de preparar os estudantes para o trabalho e também incentivar a militância. Respeitavam a liberdade da criança, sua espontaneidade, as características de sua personalidade, sua independência, seu juízo e espírito crítico. Buscavam desenvolver as aptidões naturais dos educandos, de maneira que eles ampliassem suas potencialidades e, assim, tornar-se-iam seres humanos plenos que atuariam em diferentes segmentos: artístico, produtivo, e social.

A ação da pedagogia racional libertária não se destinou apenas a crianças e jovens, ela também atuava no ensino profissional para adultos. Os anarquistas organizavam palestras e conferências nos chamados Centros de Cultura Social. Produziam jornais e outras atividades culturais, ações que visavam a transformação da sociedade na qual viviam os operários. Havia uma articulação entre a imprensa, os Centros de Cultura Social, as Ligas dos trabalhadores e as escolas libertárias.

A educação anarquista e os periódicos

Havia um estreito vínculo entre a educação anarquista e a produção de periódicos, pois os anarquistas acreditavam que para efetivar uma mudança de mentalidade era preciso unir diferentes atividades culturais como: escolas, jornais, centros culturais e outras atividades, para conseguir transformar a sociedade.

Nas atividades culturais e nas aulas, a leitura e discussão de artigos de jornais serviam como um método pedagógico para refletir sobre problemas do cotidiano e também para sistematizar as idéias e organizar o pensamento. Os anarquistas produziram muitos periódicos, buscaram caminhos para divulgar seus princípios, mudar consciências e possibilitar uma revolução social.

De acordo com Kassick (2004, p.3),

"na escola, os jornais operários serviam de suporte técnico para as salas de aula através de seus artigos, muitos deles contendo a tradução de textos de educadores anarquista estrangeiros. Deste modo, ao mesmo tempo que forneciam material para análise e estudo dos alunos, divulgavam as idéias anarquistas e as experiências pedagógicas libertárias desenvolvidas em outros países".

A produção de periódicos foi fundamental para o movimento anarquista e a pedagogia libertária. Criou-se um caminho diferente para a aprendizagem, eles faziam reuniões em diversos espaços como: fábricas, escolas ou centros de cultura para realizar a leitura em voz alta dos artigos de jornais e revistas, ações que propiciavam o processo de alfabetização de muitos trabalhadores (Cf. Kassick, Neiva e Kassick, Clóvis, 2004). Desse modo fortaleceu-se uma espécie de rede de divulgação das idéias libertárias. A leitura de artigos de jornais servia como um ótimo método pedagógico para refletir sobre problemas do cotidiano e também para sistematizar as idéias e organizar o pensamento.

Destacamos que essas leituras e discussões não ficavam restritas aos operários que defendiam a causa anarquista, outros trabalhadores participavam dessas atividades. Os anarquistas acreditavam que a ação educativa poderia realizar uma mudança significativa da realidade e seria uma estratégia importante para implantar um novo tipo de sociedade, sem hierarquia, uma sociedade ácrata. A educação libertária precisava desenvolver uma consciência anárquica, que rejeitasse qualquer relação autoritária, para instaurar uma nova forma de organização social – a autogestão.

Os anarquistas possuíam uma intensa produção de periódicos, buscavam caminhos para divulgar seus princípios, mudar consciências e atingir a meta final que era a revolução social. Essa produção de periódicos foi fundamental para o movimento anarquista e a pedagogia libertária. Podemos afirmar que foi criado um caminho informal de aprendizagem e divulgação de idéias, fortaleceu-se uma espécie de rede de informações. Os anarquistas acreditavam que essas ações fortaleciam a luta pela transformação dos princípios que regiam a sociedade burguesa.

De acordo com Neiva Kassick e Clóvis Kassick,

O trabalho dos militantes na imprensa anarquista se deu também através da tradução de textos e de relatos de experiências libertárias em educação, que, às vezes, era responsável pelo fato de novas iniciativas serem conhecidas simultaneamente na Europa e no Brasil. Desse modo, os anarquistas brasileiros, em especial os educadores, puderam ter conhecimento imediato das experiências desenvolvidas fora do Brasil e que atendiam à demanda da educação popular em outros países. À medida que essas informações circulavam e eram discutidas, forneciam os instrumentos para que os trabalhadores pudessem avaliar as condições precárias da educação que lhes era oferecida e criar suas próprias alternativas (Kassick, Neiva e Kassick, Clóvis, 2004, p.4).

Esse modo agir pedagógico parece ter tido muito maior alcance do que conhecemos nos atuais registros dos livros de história da educação, por isso estamos pesquisando novos acervos documentais para ampliar nosso conhecimento histórico sobre a educação anarquista. Com esse intuito trabalhamos com o acervo de correspondência de Fábio Luz, no Arquivo Nacional.

Contribuições de Fábio Luz para o movimento e a educação anarquista

Fábio Lopes dos Santos Luz (1864-1938), foi um médico baiano que, no século XIX, se envolveu com o movimento abolicionista e republicano. Lutou contra as injustiças sociais, a miséria e a opressão política das classes populares. Além de exercer a medicina, também trabalhou com inspetor escolar no Distrito Federal e foi crítico literário em vários periódicos, desenvolvendo uma fértil atividade literária. Dedicou-se a escrita de romances sociais. Destacamos suas obras: os romances, Ideólogo e Os Emancipados e as novelas, Nunca e Manuscrito de Helena.

Ele aderiu ao movimento anarquista, seguindo os princípios do anarquismo libertário, inspirado em Kropotkin, Elisée Reclus e Malatesta. Fez conferências, palestras e escreveu para os periódicos: "A Plebe", "A Vida", "Voz da União", "Spartacus", entre outros. Dedicou-se à implantação da Universidade Popular, que deveria fornecer formação científica e política ao proletariado. Essa iniciativa durou poucos meses, mas recebeu a contribuição de nomes respeitados da intelectualidade carioca, como: Elisio de Carvalho, Felisbelo Freire, Rocha Pombo, Evaristo de Morais, Pedro Couto, José Veríssimo e outros.

A partir do acervo de suas correspondências, no Arquivo Nacional, constatamos o seu incentivo à organização de escolas que criassem mecanismos de auto-gestão, de modo a não depender exclusivamente do financiamento do estado. Localizamos uma correspondência, datada de 19 de setembro de 1916, com o Grupo Escolar Frei Miguelinho, em Natal, no Rio Grande do Norte, onde o Diretor da referido Grupo Escolar explicava que inspirado nas propostas de gestão de Fábio Luz, organizou duas Caixas Escolares, uma destas teria a finalidade de incutir na criança uma nova concepção de economia e a outra era mantida por sócios honorários com o intuito de auxiliar as crianças pobres.

Fábio Luz exerceu uma militância política anarquista significativa ao lado de José Oiticica, formando o grupo "Os Emancipados" e participou da fundação de dois periódicos: "A Luta Social" e "Revolução Social". Até 1938, quando faleceu, manteve seus ideais anarquistas.

Considerações Finais

Por meio de nossa pesquisa constatamos que a educação anarquista foi uma estratégia para instaurar a reflexão sobre as desigualdades sociais e econômicas. Este tipo de educação considerava a reversão de valores e princípios imprescindível para instaurar um novo tipo de homem e sociedade. Para os anarquistas "a única forma de eliminar essa relação de desigualdade, na qual uma minoria dirigente submete a maioria dirigida, é restabelecendo a força social da coletividade" (Kassick, Neiva e Kassick, Clóvis, 2004, p. 9). Essa força social somente seria construída a partir de um novo tipo de educação que permitiria não somente o acesso aos diferentes tipos de conhecimento, como também a uma ampla discussão sobre os destinos da sociedade.

Consideraram que para enfrentar o processo de dominação seria preciso criar instituições escolares que desenvolvessem uma proposta que possibilitasse a formação de uma nova mentalidade. Na verdade, era preciso instaurar uma visão de mundo baseada em valores tais como: solidariedade, cooperação, igualdade e liberdade. Com essa intenção criaram, no Brasil, suas escolas, que apesar de modestas, poderiam começar um processo de combate a visão subalterna de mundo e proporcionar uma visão de mundo racional e crítica para desenvolver uma sociedade libertária.

Essas experiências demonstram como os educadores anarquistas brasileiros, travaram uma luta constante para construir uma sociedade mais justa, por meio dos caminhos pedagógicos. Partiam do princípio que os homens nascem iguais e, por isso, deveriam ter os mesmos direitos, "a convivência entre pobres e ricos, quando ainda criança, possibilitaria superar as discriminações sociais e evitar o problema de ódio entre as classes" (Kassick, Neiva e Kassick, Clóvis, 2004, p.5-6). Buscavam, por meio da educação, um novo tipo de consenso social.

Consideramos significativa a pesquisa histórica sobre essa concepção pedagógica no sentido de refletir sobre novos paradigmas do pensamento educacional brasileiro, na contemporaneidade.

quarta-feira, 3 de setembro de 2008

"Por entre grades... Transformação Social?"

(Sobre o caso de violência sexual na UFBA)


Quantos terão que sofrer pra se tomar providência

Ou vão dar mais algum tempo e assistir a seqüência

E com certeza ignorar a procedência

O sensacionalismo pra eles é o máximo

Acabar com delinqüentes eles acham ótimo

Desde que nenhum parente ou então é lógico

Seus próprios filhos sejam os próximos

(Pânico na Zona Sul – Racionais MC's)

Na terça-feira, dia 19 de agosto, uma estudante do curso de Dança da UFBA foi vítima de violência sexual dentro do campus universitário de Ondina em plena luz do dia. Este fato criminoso repugnante se insere, em alguma medida, num debate político que afeta a todos nós –- professores, trabalhadores da universidade e estudantes, homens e mulheres. E não diz respeito apenas a comunidade acadêmica, mas a toda a comunidade soteropolitana. Nossa análise dos fatos passa por duas variáveis, quais sejam, a violência contra a mulher e o paradigma da Universidade Nova/REUNI.

Conforme esperado, o episódio narrado acima suscitou a indignação e revolta de toda a universidade, levando a realização imediata de um protesto em frente à reitoria da universidade que contou com cerca de 1000 pessoas. Esses estudantes se dirigiram até lá na ânsia por respostas não apenas para este episódio, mas para a situação da violência, tanto criminal quanto institucional, a qual somos cotidianamente submetidos. A primeira (pseudo) resposta nos foi posta por um representante da administração central, o vice reitor, Prof. José Mesquita, que atribuiu o "episódio lamentável" a uma suposta falta de bom senso da estudante violentada, que estaria em uma situação propícia à violência sexual. Num processo de desresponsabilização institucional, há uma clara inversão de responsabilidades: a vítima é que seria a causadora do ato de violência sofrido. Tal posicionamento, de desresponsabilização é algo, infelizmente, recorrente, sobretudo em casos de violência sexual, como se observou na ocupação da Reitoria em 2007 –- e que é observado claramente já fora da universidade, quando uma autoridade policial responsável pela investigação do fato concede entrevistas questionando o depoimento da vítima e atacando o movimento estudantil.

Para além da série de absurdos acima relatados, há ainda que se considerar todo o discurso legalista em torno dos fatos: "Estupro só ocorre com penetração vaginal" –- é com base nisto que a delegada acusa o movimento estudantil de deturpar os fatos para criar um factóide, o que é prontamente utilizado pela administração central para uma vez mais deslegitimar a mobilização dos estudantes. Em decorrência disso, além de deslocar o debate, tirando o foco do papel da universidade neste processo e de como esta mesma universidade está apartada da realidade em que se insere, tal instituição expõe sua incapacidade de lidar com questões tão sérias e, infelizmente, comuns em nossa sociedade, a exemplo da violência sexual contra a mulher. Independente do artigo do Código Penal no qual o crime se enquadra[1], estamos lidando com a vida de uma colega estudante, exposta nos noticiários, questionada pelas autoridades, defendida aos gritos nas ruas do centro da cidade por centenas de estudantes indignados.

Posturas lamentáveis como esta são mais comuns do que gostaríamos. Perpassam, diretamente, pelo sexismo e pelo machismo de nossa sociedade que não respeita a mulher e o direito ao seu corpo, sobretudo numa cidade como Salvador, na qual, culturalmente, os homens sentem-se mais que à vontade para abordar grosseiramente as mulheres, muitas vezes com palavras e gestos de baixo calão, não se furtando de tocá-las se assim o desejam. Quantas de nós não somos submetidas a estes afagos indesejáveis, em geral nos braços e cabelos, seguidos sempre de comentários tão desrespeitosos quanto? Então, somos nós as criminosas, nascidas mulheres, desfilando desavergonhadamente nossos corpos pelas ruas da cidade, despertando a libido de maníacos e machistas e causando inconvenientes político-administrativos a reitores e vice-reitores que se vêem na eminência de dar à sociedade e à comunidade acadêmica respostas imediatas por culpa de uma estudante que provocou uma tentativa de estupro? E justo dentro do campus de Ondina...

No dia seguinte ao fato é realizada pela manhã, no salão nobre da Reitoria, uma das maiores assembléias de estudantes da história da universidade e, pela tarde, ocorre uma reunião do Conselho Superior da UFBA (CONSUNI)[2], contando com a presença massiva dos estudantes. O objetivo central das reuniões seria o de definir quais as medidas seriam tomadas para evitar episódios de violência. Neste ponto se percebe o caráter retrógrado da burocracia acadêmica (e, lamentavelmente, até de uma parte de seus discentes) quando constatamos que o debate em torno das políticas de enfrentamento da violência se reduzem aos aspectos imediatistas, repressivos e elitistas marcando o caráter classista da universidade. Neste particular as palavras de ordem do movimento estudantil são também emblemáticos: ESTUPRO NA UFBA NÃO!; SEGURANÇA JÁ! VIOLÊNCIA NÃO!; POLÍCIA É PRA LADRÃO, PRA ESTUDANTE NÃO!. Isto aponta a dificuldade de se estabelecer um debate para além do nosso umbigo acerca não de um mero episódio isolado ou de uma "fatalidade", mas de uma dura realidade ignorada em sua essência por uma universidade que não dialoga com as reais necessidades de seu entorno, que não é socialmente referenciada (a não ser enquanto atalho para manutenção ou ascensão social), e que está voltada para interesses particularistas e de mercado. Basicamente trazemos para nossa universidade a solução que encontramos para nossa casa: coloquemos grades para isolar e proteger em uma torre de marfim a intelectualidade em seu ato sacralizado de produzir ciência para o mercado.

Aparentemente, se esquece que o problema da violência atinge toda sociedade e que tanto seu debate quanto seu enfrentamento passam por uma série muito complexa de questões, exigindo que se considere soluções a partir de um diálogo coletivo e não um simples isolamento físico com grades, catracas, cartões de acesso, câmeras de vigilância.

Universidade Popular SIM! Condomínio Fechado NÃO!

"(...) as grades do condomínio são para trazer proteção
mas também trazem a dúvida se não é você que e
stá nessa prisão."

(o Rappa)

No entorno de nossos campi existem comunidades como as do Calabar e do Alto das Pombas, com as quais a universidade precisa e deve interagir através de projetos de extensão, vide os modelos já existentes das ACC's (Atividade Curricular em Comunidade), tentando ir para além de uma abordagem "laboratorial" ou assistencialista como bem colocam os próprios moradores destas localidades. Existe um hiato entre esses projetos ainda marginais e sem apoio institucional e este modelo caduco, racista, classista, homofóbico, machista e sexista de nossa universidade atual. O que precisamos problematizar em momentos como este é qual modelo de universidade temos e qual modelo queremos. Estamos falando de um espaço que se coloca enquanto democrático mas manipula informações e criminaliza os movimentos sociais (com destaque para o estudantil), tão democrático que há quatro anos neste mesmo CONSUNI se aprovou um plano de segurança que nunca saiu do papel e que agora, ameaçados por uma situação-limite, aprovaram novamente o mesmo plano de segurança, mas não sem antes criar na mídia um discurso pautado na necessidade de policiamento nos campi -- algo que a comunidade estudantil rechaça –- e assim, culpabiliza os estudantes, supostos viciados e usuários de substâncias ilícitas que em função disto negam a presença da polícia militar, civil ou federal na universidade.

Rechaçamos tais manifestações e lembramos que o posicionamento contra a presença da polícia em nossas unidades é político: somos contrários à política de segurança baseada na prática de extermínio e tortura que ocorre sobretudo nos bairros periféricos; questionamos o uso que poderia ser feito pela administração central do aparelho repressor do Estado em um contexto de tensão política como o da universidade; e, sobretudo, lutamos para manter o restante de liberdade de pensamento que resta em nossa sociedade. E, por fim, a razão maior: historicamente nós conhecemos qual o procedimento da polícia quando atua na universidade e fora dela, tendo muitos de nós vivenciado isto na história recente, tanto no fatídico 16 de maio de 2001, quando a polícia militar invadiu o campus a mando de ACM; quanto no dia 15 de novembro de 2007, quando a Polícia Federal prendeu quatro estudantes que participavam da ocupação da Reitoria. Estas são as nossas motivações, muito além da lamentável discussão rasteira trazida pela mídia acerca da estigmatização dos estudantes.

A crise está posta. É o limite do absurdo, que há muito se encontra como um fato dado para uma maioria de soteropolitanos residentes nos bairros populares e nas periferias e que convivem com: a violência policial; a opressão do Estado e das autoridades; o descaso da universidade; a inacessibilidade a direitos elementares como saúde e educação de qualidade. Logo, diante de um ato bárbaro como este, o que primeiro se vê é a reprodução das práticas e discursos maniqueístas de sempre, quando uns buscam se eximir de suas responsabilidades enquanto outros catam alguns votos e buscam agregar uma base militante em pleno período de campanha eleitoral. Em tal contexto, esquecemos de perguntar ao Magnífico Reitor, a seus colegas professores que com ele formam a burocracia acadêmica, e ao governo federal onde estão as tão prometidas verbas das universidades federais: Qual projeto de assistência estudantil de que dispomos? Porque só existe segurança patrimonial terceirizada nos campi universitários, numa clara acepção classista que coloca o direito patrimonial acima dos direitos humanos? Porque existe um Núcleo de Estudos sobre Mulheres na universidade mas não existem diretrizes institucionais de enfrentamento à violência contra a mulher dentro da UFBA (que não se restringe a ataques fortuitos)? Porque o plano de segurança construído em 2004 nunca saiu do papel? Qual a posição da universidade diante da crise da segurança pública em nosso estado? Porque nossos gestores bem como os representantes do movimento estudantil encontram tanta dificuldade em discutir a violência contra a mulher? Em que medida as portas da universidade estão aberta à comunidade? É um momento de questionarmos profundamente nossa realidade: de estudante, universitário/ a, homem, mulher, soteropolitano/ a, questionando nosso papel na sociedade e buscando formas de superar os problemas que temos nos negado a enfrentar.

Nesse sentido, é mais do que imprescindível construirmos um outro modelo de universidade, que seja controlada de forma democrática por todos e todas que nela vivem (professores, estudantes e trabalhadores) , mas, além disso, que também os movimentos sociais (de luta pela terra, pela habitação, de negros, quilombolas, indígenas, de mulheres, GLBTT, e tantos outros) e as comunidades vizinhas passem a fazer parte da vida no campus, e que o campus seja estendido para esses espaços, fazendo com que seus representantes possam compartilhar da gestão desta universidade. Por isso, defendemos a Universidade Popular (que não é a universidade populista apresentada pelo REUNI e a Universidade Nova), com ensino e pesquisa comprometidos com a transformação radical da sociedade, e uma extensão totalmente atrelada a essa prioridade, como espaço fundamental para a elaboração do conhecimento e de novas práticas, partindo de uma concepção de educação verdadeiramente dialógica e emancipatória. Mas que, além disso, sejam garantidas as condições para tal tarefa, como assistência estudantil e derrubada das grades, tanto as simbólicas quanto as de metais.

COMUNA
Salvador, setembro de 2008.

quarta-feira, 27 de agosto de 2008

Carta Aberta a Comunidade Acadêmica da Universidade Federal da Bahia

Nos últimos dias toda comunidade acadêmica da UFBA vem intensamente discutindo as questões de segurança no Campus Universitário, tendo como foco o São Lázaro e o PAF de Ondina. Entendemos que é salutar tal discussão, mas que a mesma não está dissociada da realidade enfrentada por toda a cidade de Salvador.

Também nos últimos meses vários jovens dizimados em nossa cidade, todos negros, pobres e moradores de áreas periféricas, dentre elas a própria comunidade do Alto das Pombas, vizinha a FFCH.

Em junho choramos pela morte de quatro jovens, vítimas de disputas de tráfico de drogas que foram violentamente assassinados.

Tal ação nos leva a refletir sobre qual violência estamos discutindo? Se a da omissão da Universidade que ao mesmo tempo em que tão próxima é tão distante dos problemas sociais que a circundam ou da mídia de excessos que sempre aguarda uma tragédia para discutir algum problema que de certa é relevante para sua classe social, ou para angariar mais fundos para manutenção desse modelo de reprodução de injustiças sociais?

Sempre convivemos harmonicamente com a universidade, principalmente pelo fato da Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas se confundirem com nosso espaço geográfico.

Mantivemos ao longo de vários anos a nossa autonomia, mas sempre com visão crítica sobre o papel social da mesma e principalmente questionando o formato laboratório que a mesma sempre adotou nos processos de diálogo com a comunidade.

Pensando assim pedimos que ao discutir o problema da violência na UFBA, não seja somente considerado o prisma de quem supostamente ela atinge de imediato, mas compreenda que cobrir de muros, gradearem as unidades educativas e principalmente colocar pessoas despreparadas para fazer a suposta segurança de nada adiantará para alcançar tal finalidade.

Conclamamos pelo bom senso de compreender que tal problema ultrapassa os espaços da UFBA e que se faz necessária uma discussão mais apurada com as Comunidades entorno dos Campi.

Esperamos que os professores, funcionários e estudantes que são protagonistas desta discussão, possam entender que tal problema social não se resolverá numa redoma, tão pouco num grupo seleto de pessoas que se reúnem para a busca de soluções de momentos-crise, mas tomando medidas que ultrapassem as formas tradicionais, ampliando a relação da UFBA com a comunidade, não limitando-se a ações pontuais no semestre, a pesquisa-laboratório com a comunidade ou a antiga compreensão de que não sabemos o que realmente queremos e que não somos capazes de construir como parceiros, um novo modelo de UFBA, que seja verdadeiramente inclusiva, de qualidade e pública para todos.

Salvador, 25 de agosto de 2008.
Comunidade do Alto das Pombas

terça-feira, 24 de junho de 2008

68 em 2008: Celebrar é Viver?

Ou Essas pessoas na sala de jantar...

[Por Vavá Oliveira - militante da COMUNA]

Por conta da efeméride (68-2008), um novo espectro ronda o mundo – o espectro da nostalgia. É preciso frisar, contudo, que essa "onda nostálgica" em relação ao ano de 1968 traz consigo uma contradição escamoteada: os eventos daquele ano não têm sido celebrados pela atualidade de seus princípios, mas pela superestimação de seus feitos. O que tenho notado, em todos os eventos comemorativos que participei este ano, é que a geração de 68 manifesta a melancolia daqueles que tentaram, mas não conseguiram fazer a revolução. E o pior, nesse mesmo cenário, duas gerações com mais de 30 anos de diferença entre si, encontram-se e partilham do mesmo ostracismo político.

Sigamos, então, para além da superfície inebriada das celebrações, em busca do pitoresco que esse "encontro" representa. Uma dessas gerações, a midiática geração 68, tem inúmeros motivos para lembrar com melancolia o "ano que não terminou" (Zuenir Ventura). Afinal, foi ela quem vivenciou, nas ruas das metrópoles ocidentais, a tentativa de concretização da revolução mais poética entre todas, mas que ao alcançar o poder político, nas décadas seguintes, abandonou a imaginação e, capitulada pela burocracia estatal, rendeu-se à monotonia do permitido. A outra geração, pode-se dizer, é a minha. Desiludida com a "política" que lhe é apresentada e sem ter experimentado a catarse dos momentos revolucionários, essa geração (ou a sua maior parte) expõe frustração e passividade ao "celebrar" o maio de 68 tal qual a geração 68 - como um "movimento do passado, já derrotado em seus princípios". Belo e importante, porém morto e empalhado na parede da sala de jantar – aquela mesma sala onde as pessoas "são ocupadas em nascer e morrer".

Nesse sentido, se torna evidente outra constatação: a "nostalgia" que nos atinge não estimula a ruptura de padrões comportamentais e políticos como em 68, mas somente uma postura que alterna entre a contemplação orgulhosa e o "choro pelo leite derramado". "É proibido proibir" e "Sejamos realistas, exijamos o impossível" deixaram de ser motes simbólicos das condutas, tornaram-se slogans em estratégias comerciais através das quais oferta-se uma juventude mitificada do passado em troca da adoração embasbacada e a resignação profunda no presente.

Essa nostalgia ainda é, em certa medida, manipuladora, pois isola no tempo e no espaço (Paris, SP, RJ, New York, Califórnia), um movimento que trazia consigo os princípios adotados pela parcela da juventude que resolveu contrariar o desígnio da passividade e construir um outro mundo hoje e agora. Quem acompanhar a atuação dos jovens militantes dos movimentos sociais mais combativos de nossa época, seja em Salvador, Palestina, Chiapas, ou Oaxaca, perceberá como também suas práticas os identificam com o simbólico ano de 1968. As ocupações das reitorias no Brasil bem como dos terrenos abandonados ou improdutivos estão aí para exemplificar o que digo.

É preciso, portanto, rejeitar a superestimação romântica do Maio de 68, estimulada pela geração que o viveu, mas, infelizmente, se tornou tão saudosista quanto melancólica. São esses "antigos jovens" que optam pela comemoração do início e do fim de 1968, omitindo a sua atualidade flagrante. Infelizmente, Caetano estava certo e aquela juventude de 68 que queria tomar o poder, e conseguiu, continua, ainda hoje, "não entendendo absolutamente nada!".

Certamente, são muitos os receosos das gerações que, em seu tempo, exercem a transgressão política e cultural. Eles vão lhe dizer que a idéia de revolução está morta e que a própria História - enquanto transformação do modo de organização da vida social - está fadada a acabar. Não importa, a rebeldia subversiva é o antídoto milenar contra o determinismo da opressão e da miséria. Façamos, agora, da herança 68 um referencial ativo para juventude que busca o exercício de uma prática militante não-burocrática e autoritária, mas criativa, horizontal e, sobretudo, revolucionária!

segunda-feira, 9 de junho de 2008

Acampamento Maria Júlia Braga

(Universidade Federal Fluminense/Niterói/Rio de Janeiro)

http://www.xanta.milharal.org/amjb/index-old.htm
http://www.orkut.com/Community.aspx?cmm=12363290

Segundo levantamentos estatísticos e conforme consta em diversos panfletos políticos no Movimento Estudantil, na Universidade Federal Fluminense, 70% do total dos estudantes ingressados na universidade não são de Niterói, e destes, um número significativo apresenta sérias dificuldades econômicas para dar prosseguimento aos seus estudos, o que se torna evidente no fato de a UFF ser uma das Universidades com maior índice de evasão em todo o país, por volta de 40% dos ingressados não conseguem dar prosseguimento aos estudos. (http://www.uff.br/uffon/noticias/2007/10/reuni-proposta-gt-uff-at.pdf, Segundo dados da própria reitoria em seu projeto de extensão: “Este esforço, com certeza, diminuirá nossa elevada evasão (45%)).

Constatando isso, a fim de solucionar esse problema já antigo, surgiu em outubro de 2002 o Fórum de Luta pela Moradia na UFF. Formou-se como movimento independente por entender que as forças políticas que hegemonizavam o Diretório Central dos Estudantes (DCE) da universidade, não se propunham a travar uma luta real para atender aos interesses estudantis, em especial dos estudantes proletarizados, os quais são os principais demandatários de políticas de assistência, imprescindíveis para sua manutenção na universidade. No entendimento do Acampamento, as forças políticas tradicionais inseridas no Movimento Estudantil se mobilizam unicamente visando a manutenção de sua hegemonia em tal movimento. Mas o Fórum de Luta pela Moradia se constituiu de forma a se contrapor a essa tendência.

Uma das principais realizações desse movimento foi a elaboração de um dossiê sobre a questão da moradia. Tratava-se de um amplo estudo sobre as possibilidades de construção da moradia baseado na experiência de outras universidades as quais tiveram essa demanda atendida. Após a formulação de tal documento, uma passeata que contou com a presença de mais de 200 estudantes foi organizada para, no Conselho Universitário, órgão máximo de deliberação da universidade, exigir o comprometimento da reitoria para com a execução de um projeto de moradia.

Tal compromisso foi assumido através da composição de um Grupo de trabalho (GT) para elaborar o projeto, tendo o dossiê como referência. Este grupo de trabalho finalizou suas atividades, no entanto, a reitoria de Cícero Fialho, na época em sua segunda gestão, não implementou o projeto de moradia.

Como a Universidade Federal Fluminense não dispõe de uma moradia própria, cabia aos estudantes mais proletarizados apostar na Casa do Estudante Fluminense como único espaço que poderia os abrigar, sendo esta casa do Governo do estado e não federal, e podendo abrigar no máximo sessenta e quatro pessoas.

A antiga dona do prédio hoje ocupado pela Casa do Estudante Fluminense, Maria Júlia Braga, tinha por costume abrigar estudantes proletários que, muitas vezes, vindos do interior do estado não tinham como se manter na cidade de Niterói sem esta ajuda. Em seu testamento, tal senhora entregou a propriedade ao governo do Estado do Rio de Janeiro, de forma a servir de abrigo aos estudantes que assim necessitassem: surgiu então, em 1949, a Casa do Estudante Fluminense (CEF).

Diversos foram os ataques sofridos pelos moradores daquele espaço durante o período do regime militar, visto que muitos estudantes se opunham ao mesmo. Muitas foram as tentativas de fechar a Casa do Estudante Fluminense, a qual era atacada e estigmatizada para assim justificarem seu fechamento.

No entanto, foi apenas no ano de 2006, que o governo de Rosinha Garotinho expulsou a ala de estudantes combativos residentes na Casa do Estudante Fluminense. Tal expulsão se deu, pois os estudantes se negaram a aceitar exigências absurdas do Estado manifestadas num estatuto que, por exemplo, proibia reuniões religiosas ou políticas dentro do prédio, proibia quaisquer visitas aos residentes, expulsão de qualquer morador que adquirisse qualquer doença infecto-contagiosa, dentre outras arbitrariedades. Por isso, uma parcela dos estudantes se negou a aceitar a imposição de tal estatuto.

21 moradores foram expulsos no dia 4 de abril de 2006, e, desalojados, acamparam na calçada em frente a CEF, depois no gramado do jardim da reitoria da Universidade Federal Fluminense e após uma tempestade que destruiu seus barracões, passaram a ocupar o saguão da reitoria da Universidade Federal Fluminense. Lá ficaram quase um mês, partindo em seguida para o Campus do Gragoatá, visando assim, uma aproximação com os demais estudantes. Com a expulsão, surgiu o Acampamento Maria Júlia Braga – O Quilombo do século XXI – o qual, passou a incorporar novos adeptos os quais se integraram e apóiam atualmente esta luta política.

Vale lembrar que a expulsão promovida pelo governo do estado demonstrou o real interesse deste que é o de esvaziar a Casa do Estudante Fluminense, e possivelmente empregá-la para outros fins, evidenciado no fato de hoje tal casa abrigar apenas 24 estudantes, apesar de sua capacidade superar 60. E, mesmo dentre os estudantes que na época preferiram se submeter às exigências do estado, aliando-se a este e abrindo mão de seus direitos de residentes, hoje muitos estão também sendo expulsos através de um suspeito processo de seleção, que de seis em seis meses é realizado, sendo que um estudante aprovado hoje, seis meses depois é reprovado, pois alteraram-se os critérios.

Após a ida para o Gragoatá, o Acampamento conseguiu alguns adeptos e simpatizantes, mas houve também o afastamento das entidades de classe, ADUFF (Associação dos Docentes da Universidade Federal Fluminense) e do SINTUFF (Sindicato dos Trabalhadores da Universidade Federal Fluminense). Este afastamento pode ser interpretado devido à falta de interesse político das suas direções em apoiar uma ocupação que não tinha nem data nem hora para acabar visto que o retorno para a Casa dos Estudantes já não era mais possível. Também ao término do pleito para reitor, não faria mais sentido apoiar a ocupação para dar visibilidade política para seu candidato.

Sabemos que quando ocorre algum fato político, no caso a expulsão, muita cobertura jornalística é dada, o que faz com que diversos grupos políticos se aproximem. Podemos observar nas reportagens e nas fotos da época da expulsão e do período logo após este acontecimento, muitos são os militantes de diversas correntes da esquerda como o P-SOL e PSTU que aparecem nas fotos ou entrevistados, inclusive o vereador Renatinho, eleito pelo P-SOL também é uma figura recorrente. No entanto, se a vitória não é imediata e a luta continua, o afastamento daqueles que atuam mais na política institucional burocrática do que no Movimento Social concreto, tende sempre a ocorrer.

Quando, em 4 de abril de 2007, o Acampamento Maria Júlia Braga – o Quilombo do Século XXI - completa um ano de existência, decide-se por realizar uma nova ocupação, agora no saguão da reitoria da Universidade. Esta ocupação ocorre em 23 de abril.

No dia 25 de abril, estando a reitoria ocupada, ocorre uma passeata organizada pelo Acampamento Maria Júlia Braga e o Grupo de Trabalho do Centro Acadêmico de História da UFF. Tal passeata mobilizou mais de 150 estudantes que partiram para a reunião do Conselho Universitário (órgão máximo de deliberação da universidade) exigindo assistência estudantil. Dentre as demandas apresentadas por esses estudantes estava a construção da moradia universitária, o conserto do ar condicionado da Biblioteca Central, contratação de professores, melhoria do bandejão, dentre outras. O destaque era para a questão da moradia: exigíamos a utilização de um prédio da UFF que estivesse sendo subutilizado como moradia temporária, até que a definitiva fosse finalizada.

Devido à pressão estudantil o reitor assinou uma carta em que se comprometia a encaminhar a Assistência Estudantil como pauta no próximo Conselho Universitário (para os militantes do PSTU e P-SOL, esta carta foi suficiente para que eles evadissem a ocupação do sétimo andar promovida após o término do CUV), e constituiu uma comissão destinada a discutir e apresentar soluções para a questão da moradia universitária na UFF. Esta comissão, composta por estudantes e professores, após suas reuniões concluiu que não seria interessante utilizar um prédio como moradia provisória dado o alto custo de adaptação deste. Decidiu-se que o melhor seria partir para a construção da moradia definitiva. Esta decisão foi apresentada e aprovada no Conselho Universitário seguinte. Portanto, a Moradia foi formalmente aprovada, pela segunda vez, na Universidade Federal Fluminense.

Do dia 23 de abril até 23 de outubro de 2007, o saguão da reitoria da UFF se manteve ocupado. Além de ter sido a mais longa ocupação de reitoria promovida pelos estudantes neste ano no Brasil, ela própria foi fruto de uma ocupação que em abril deste ano completará dois anos.

Próximo ao aniversário de seis meses, inconformados com o descaso por parte da reitoria, que apesar da promessa, não havia nem iniciado o processo de licitação do projeto de moradia, ainda que, conforme foi apresentado pelo vice-reitor, uma verba de quase cinco milhões havia sido destinada à UFF para ser utilizada em Assistência Estudantil. Os ocupantes, 27 naquele momento, fecharam, na noite do dia 22 de outubro, o espaço burocrático da reitoria, impedindo o funcionamento da mesma. No dia 23 a reitoria amanheceu fechada, e o reitor Roberto Salles, cancelou o Conselho Universitário deste dia, que ocorreria no espaço do cinema o qual estava aberto para funcionamento, utilizando a ocupação como justificativa. Além disso, ele envia a Polícia Federal para fazer o despejo, ignorando que quando se dá esta ação a ocupação já havia se massificado, obtendo a adesão dos manifestantes que se encaminharam para o Conselho Universitário a fim de protestar contra a aprovação do REUNI. A ordem era despejar os ocupantes tanto da reitoria como do Gragoatá, no entanto, o reitor teve de negociar, exigindo apenas a retirada da reitoria.

Deste evento até o dia 1 de fevereiro de 2008 a Ocupação do Gragoatá se manteve, apesar da precariedade da estrutura, a qual deixava os moradores numa situação de extrema vulnerabilidade climática (inclusive um morador sofreu séria crise de hipotermia, outros dois já tiveram pneumonia, dentre muitos outros problemas). As investidas da reitoria não cessaram, tendo sido constantes as ameaças por parte dos seguranças, uniformizados ou a paisana; proibição para o uso de alguns banheiros, além da limitação do horário e dias de semana; etc. E, na sexta-feira de carnaval, dia 1 de fevereiro, a reitoria efetivou o despejo da ocupação, conforme podemos observar na nota do acampamento.

O Acampamento Maria Júlia Braga - O Quilombo do Século XXI -, atualmente, se encontra instalado no Diretório Central dos Estudantes da UFF (DCE), onde se mantém firme em sua proposta e disposto a dar prosseguimento à sua luta política.

Acampamento Maria Júlia Braga - O Quilombo do Século XXI.

quinta-feira, 15 de maio de 2008

Cartazes e Frases de 1968!

"O poder tinha as universidades, os estudantes tomaram-nas. O poder tinha as fábricas, os trabalhadores tomaram-nas. O poder tinha os meios de comunicação, os jornalistas tomaram-na. O poder tem o poder, tomem-no!"

"Trabalhador: tu tens 25 anos, mas o teu sindicato é do outro século"


"Abramos as portas dos asilos, das prisões, e de outras Universidades"

terça-feira, 15 de abril de 2008

¿Qué es la Universidad Trashumante?

www.trashumante.org.ar


Es un espacio de trabajo a partir del cual llevamos adelante diferentes proyectos desde la Educación, la Comunicación y el Arte Popular y cuya esencia es contribuir a la transformación de nuestra sociedad desde la reflexión POLÍTICA PEDAGÓGICA.

El proyecto nació de la Cátedra de Sociología de la Educación de la Universidad Nacional de San Luis y del grupo Sendas para la Educación Popular, con sede en la provincia de San Luis. Después fue pasando de boca en boca, de corazón en corazón hasta transformarse en un proyecto colectivo que se caracteriza por la diversidad de sus grupos.

La Universidad Trashumante toma como marco teórico de referencia a la Educación Popular, su mirada y visión del mundo, que nos indica un camino a seguir y, como educadores populares nuestra tarea primaria y esencial es aportar herramientas de formación en la lectura de la realidad, mirar desde los otros, generar espacios de reflexión en el que las mayorías de las voces puedan decir y decirse, fortalecer las organizaciones populares de base.

Trabajamos para construir un poder dentro de la propia sociedad civil y de las organizaciones populares, que permitan controlar la representatividad y cambiar las políticas de las minorías, construir contrapoder, construir otro paradigma. Creemos que el actual momento histórico se fortalece en el día a día y en cada lucha. Está emergiendo un nuevo paradigma constituido por grupos, redes y movimientos, donde aparecen nuevos sujetos colectivos, que intentan trabajar desde otra lógica y desde otra ética de construcción, diferente a la llevada a cabo por el sistema.

Quizás los ejes centrales de la misma estén dados por los conceptos de HORIZONTALIDAD, PARTICIPACIÓN, CONSENSO DEMOCRÁTICO Y AUTONOMÍA. Comienza a tomar forma, a la vez que se fortalece cada vez más una gran movilización social, que en principio surgió coyunturalmente frente a las diferentes políticas de ajuste. Es necesario comprender que muchas de ellas hemos venido trabajando en esta construcción desde hace varios años, convencidos de que estos procesos se van construyendo y consolidando a medida que las organizaciones sociales nos vamos articulando.

Algunas certezas...

- No somos ni pertenecemos a los grupos iluminados que tienen todo claro y cada vez juntan menos gente, aunque su mensaje sea duro y que al mismo tiempo los aísla de la realidad.

- Tenemos que tener claro contra que y contra quien luchamos.

- Que lo hacemos desde la alegría y desde la esperanza real de que caminamos hacia un futuro diferente.

- Que no sólo utilizamos la racionalidad, sino también toda la riqueza que nos dan las expresiones artísticas, como formas de presentar nuestro mensaje.

- Que tenemos elementos teóricos que nos sirven sólo para analizar los contextos, y no para aferrarnos dogmáticamente a ellos.

- Que tenemos una concepción de vida, por la cual nos consideramos hermanados en las causas de las mayorías, con aquello de que "nadie educa a nadie, nadie es educado por nadie, todos nos educamos juntos", que tan brillantemente decía Paulo Freire. Y que estas concepciones de vida, que son profundamente ideológicas, nos llevan a trabajar con metodologías realmente constructivas, buscando la participación de todos.

Algunos Conceptos

Cambiar el mundo

Primer concepto emergente de esta nueva propuesta fue retomar la idea de cambiar el mundo. Nos dimos cuenta que su sola enunciación ponía en crisis a personas y movimientos. Como es una pregunta que la hemos realizado a lo largo y ancho del país en los treinta mil kilómetros recorridos, en los más de 140 talleres dados podemos hablar con fundamento en esta temática. Es increíble como el modelo había logrado borrar del horizonte de nuestras vidas no solo la idea sino la acción efectiva de que el mundo podía ser cambiado. Nos ha pasado también en intercambios de ideas con algunos intelectuales europeos que cuando leían nuestros trabajos, sinceramente nos decían: "hace muchos años que no escuchábamos esta idea de cambiar el mundo". Esta es nuestra utopía real, el centro de nuestros sueños, lo que nos alimenta lo cotidiano, lo que nos sigue entusiasmando a seguir caminando y pensando.

A partir de este concepto de cambiar el mundo nos pareció importante hablar sobre "El otro país".

Otro País

Segundo concepto que intentamos desarrollar. Parte de reconocer que en Argentina coexisten al menos dos países absolutamente diferenciados y por que no, antagónicos. Si bien compartimos el mismo territorio, los mismos símbolos y no muchas cosas más, es que preferimos hablar del Otro País, del oculto, del ajeno, del negado. El país de las mayorías, con el cual soñamos, con justicia, con trabajo. Esta es una decisión ideológica que se define en la reflexión de Paulo: "A favor y en contra de quien trabajamos". Si vamos a ser cantores y científicos de grandes salones o vamos a bajar a compartir con los hermanos lo que a todos nos pasa. Construir este otro país es la tarea, sin dejar de ver el proyecto que las minorías quieren imponernos. En síntesis tener en claro cual es nuestro enemigo, pronunciarlo con firmeza y anunciar con nuestras vidas que es imprescindible luchar para mantener la esperanza.

Revolución Epocal

Este concepto nos surgió a partir de nuestro paso por la provincia de Neuquén. Con todas sus contradicciones, la lucha que las compañeras y compañeros han venido sosteniendo contra el modelo, siempre se constituyó en un ejemplo para todos nosotros. El concepto de revolución también fue ampliamente bastardeado por el modelo capitalista. Sin embargo nos parece importante volverlo a colocar en el horizonte, porque esto es lo que queremos hacer, revolucionar lo existente. Pero nos parece importante ir desarrollando entre todos estas ideas.
Nuestra revolución debe ser necesariamente epocal, es decir debe partir de esta realidad, de esta confusión, de esta invasión de ideas, de esta economía desvastada.. Partir de esta época. Una revolución no puede ser nostálgica ni tampoco anticipatoria. No podemos seguir pensando lo que ocurrió en la Revolución Rusa o en la Revolución Cubana o en la década del ´70. Esto pasó y no es posible reconstruirlo desde este hoy. Si debemos tener conocimiento y memoria de lo pasado, para saber porque ganamos y sobre todo porque perdimos. En esto hay que formarse. Y decíamos que tampoco puede ser anticipatoria al estilo vanguardista que determina a priori donde empieza la revolución y como continúa. En ambos casos, el DOGMATISMO es sin duda nuestro enemigo principal e interno. Quizás por esto los partidos políticos de izquierda no logren estar cerca de la gente. O van adelante solos o intentan apropiarse de cuanta cuestión se mueva.

Lo apasionante es que la palabra Revolución se pronuncie y se sienta "en colectivo", que anuncie encuentros y no desencuentros, que no sea decidida por nadie en particular, sino que se articule a partir de un consenso diferente, que surja en el momento preciso. Para eso hay que trabajar denodadamente.

¿Cómo Trabajamos?

Una de las principales características de la trashumante, y quizás la más importante para nosotros, es la forma en que decidimos las cosas y como llevamos adelante los proyectos y actividades.

Todas las decisiones las tomamos de la manera más colectiva posible. Y esto, que ya de por si no es tarea fácil, se nos torna un gran desafío ya que los grupos que integramos la Trashumante son varios, diversos y residen en diferentes partes de nuestro país (más algunos grupos amigos de Chile y España.

Cada grupo, además de trabajar en su espacio local, aporta discutiendo sobre las decisiones de nuestros proyectos nacionales y, en algunos casos, haciendo aportes concretos a los mismos, haciéndose cargo de actividades, de coordinar algunos proyectos y la red. Luego en cada actividad tratamos de participar todos o por lo menos tratamos que cada grupo este representado.

Veamos como...

Cada fin de año se realiza un ENCUENTRO NACIONAL en donde participan la mayoría de los trashumantes, pero también compañeros de otras organizaciones y personas que se interesan y/o trabajan en el campo de la educación, el arte y la comunicación popular. Las temáticas y metodologías son acordadas previamente y responden a las problemáticas que consideramos son esenciales para seguir creciendo, ya que son discusiones que aportan nuevos aprendizajes en la construcción y organización popular.

El último día, de los tres que duran los encuentros, nos juntamos los trashumantes solamente y, además de evaluar lo hecho hasta el momento, delineamos en general como queremos seguir el año siguiente.

En marzo nos juntamos en MINI RED, que es el espacio donde una vez por año nos juntamos sólo los trashumantes (por lo menos un representante de cada grupo) y donde le damos forma concreta a cada actividad para ese año. Allí los distintos grupos asumimos tareas y responsabilidades para ese año. Elegimos al grupo coordinador de la Red (que cada año rota). No funcionamos como asambleas, en la trashumante no votamos. Llegamos a acuerdos generales y si no logramos alcanzarlos los dejamos en evidencia y abiertos para una próxima reunión o consulta grupal. Cada representante que va lleva las discusiones y acuerdos de su grupo. Esa es la clave: un ida y vuelta de los grupos a la red y de la red a los grupos.

¿POR QUÉ TRABAJAMOS ENREDADOS?

La concepción de trabajar en redes, fue fundamental. Si bien este concepto fue "usado" por el sistema y vaciado de su contenido conceptual original, en muchos de nosotros existió con las características con que surgió originalmente. Recordamos, que después del paso de las dictaduras por América Latina, el tejido social quedó destruido, como tan bien relata Víctor Heredia en su canción "Informe de situación".

Una red es justamente la posibilidad de estar juntos todos aquellos que pensamos que se puede construir otro país, con una lógica de construcción en nuestras cabezas y una pasión en nuestros corazones que nos identifica. Construir una red es un problema ideológico y también metodológico. Una cosa es formular la idea y otra llevarla a la práctica, por ejemplo el concepto de horizontalidad, que hoy está tan de moda. Nosotros acordamos plenamente con el mismo, pero el tema es cómo efectivamente ponerlo en práctica. Para que esto ocurra, "alguien" tiene que correrse del centro y "otros" tienen que ocupar los espacios. Por eso es que desechamos la tradicional concepción de liderazgos y preferimos hablar de "referentes". En alguna medida todos somos referentes de todos. No puede obviarse que hay personas que por edad y experiencias adquieren un perfil de referentes fuertes. Justamente aquí está la concepción político pedagógica que facilite la construcción de la horizontalidad.

Ya desde el año 1997, la reflexión que veníamos desarrollando sobre los contextos y nuestras prácticas, nos llevó a ciertas y determinadas intuiciones, algunas de las cuales fuimos reafirmando y otras desechando. Podríamos sintetizarlas en las siguientes:

- La necesidad de pensar la realidad y propuestas transformadoras desde un nuevo paradigma. A fin de especificarlo nosotros nos ubicamos ideológicamente dentro de lo que serían las teorías críticas propositivas o emergentes latinoamericanas, que entre otros tienen basamento teórico en Gramsci y Paulo Freire. No nos parece que tal como han quedado las sociedades latinoamericanas después del paso del modelo neoliberal se pueda pensar con la misma lógica, propuestas y consignas de épocas anteriores. Justamente para que el paradigma nuevo saliera del posibilismo reinante, era necesario empezar a pensar desde lo imposible. Lo imposible solo se convierte en posible si se piensa en primer lugar desde nuevas prácticas, renovadas ideas, cambios actitudinales al interior de personas, grupos y movimientos y sobre todo teniendo en cuenta que cualquier transformación en esta época, debe ser imprescindiblemente constructiva. La crisis de representatividad que es un fenómeno que se viene gestando en la Argentina desde hace al menos una década, el descreimiento en todo lo que sea institucional, en casi todos los discursos y propuestas sistémicas, fue el signo característico de esta época. Percibirlo tiene que ver con valores y con la búsqueda de una íntima coherencia entre la palabra que pronunciamos y el gesto que expresamos.

- Por todo esto es que nuestra propuesta no contempla cambios culturales, sociales y/o políticos, dentro de la actual sociedad, sino que apuesta al surgimiento de una nueva, en la impresión de que la crisis del paradigma viejo comienza a ser evidente. También por esto preferimos no anteponer la palabra "socialismo" a esta nueva construcción. Si bien es obvio que esta propuesta se referencia mucho más en las ideas socialistas que en una filosofía liberal, una mínima coherencia nos lleva a pensar que el nombre y los contenidos nuevos, deberán ser definidos entre todos. Tiene sus riesgos y somos conscientes de ello. Implica pensar la ciencia, los hechos, nuestra profesión y nuestras propias vidas, desde otro lugar. Por eso la proyección de acciones tiene que ser necesariamente diferente. Y la búsqueda también. Aunque las condiciones estructurales indiquen una realidad adversa, la construcción desde los sueños a los que no renunciamos, desde las utopías, cobran nuevo sentido. Un "nosotros" diferente. Un sol propio y colectivo.

De esta historia, nace el Proyecto Universidad Trashumante.