[Henrique Souza – Militante do SAJU e d@ Comuna]
[Daniel Caribé (colaborador) – Militante d@ Comuna]
No momento em que o reitor da Universidade Federal da Bahia alardeia por toda a grande mídia nacional a pretensa preocupação de seu projeto Universidade Nova com a democratização do acesso às instituições de ensino superior, a prática nos dá um ótimo exemplo da "novidade" do tipo de democratização do acesso que se busca, com a universidade sendo totalmente cercada com grades que tanto prendem os que estão dentro e querem uma universidade mais livre e próxima do povo, quanto afasta e exclui ainda mais esse mesmo povo que está do lado de fora da universidade. Para uma questão tão complexa como a segurança pública, a UFBA, o "centro do saber acadêmico", que tanto se orgulha de colocar nos outdoors o seu "compromisso social", adota a solução mais superficial e inócua possível: muros e grades, que a História já demonstra há milênios que sempre acabam por ser derrubados.
A primeira coisa que salta à vista nesse processo de "fortificação" da Universidade é que a segurança que se busca é meramente patrimonial, ou seja, visa evitar que se roubem os sons dos carros (de quem tem carro, óbvio), pois em absolutamente nada essas grades ajudam no combate aos assaltos e estupros a que @s estudantes são submetidos freqüentemente, em especial quem precisa pegar ônibus: a iluminação é praticamente inexistente em diversos pontos; o mato de tão grande mais parece uma floresta; as escadas totalmente destruídas; enfim, medidas extremamente simples, como resolver esses problemas, poderiam oferecer uma segurança muito a maior a quem efetivamente precisa de segurança, as pessoas, não os carros.
Ah, e também medidas mais muito baratas, pois o "Programa Integrado de Segurança", elaborado em 2002 pela Pró-Reitoria de Planejamento e Administração e que serviu de base para o plano aprovado pelo CONSUNI em 2004, previa 12 medidas gerais para melhorar a segurança na universidade. Só agora, no entanto, a primeira dessas medidas começa a ser implementada, e é justamente a mais cara e inútil de todas. No orçamento de 5 anos atrás, murar e gradear os campi da UFBA em Salvador custaria R$ 1.726.032,94 (quase dois milhões de reais!), imaginem quanto esse montante deve estar em valores atualizados... Os próximos passos desse processo nós já sabemos e já vimos outras vezes em outros âmbitos: câmeras nos corredores (como já existe em ADM e no PAF), polícia militar e civil dentro do campus (conforme notícia do UFBA em Pauta de 16/05/07), restrição do acesso por meio de catracas eletrônicas (como se pretende implantar em ADM no próximo semestre), enfim, uma verdadeira "escalada contra o crime".
Numa análise mais geral, no entanto, o que o reitor da UFBA está fazendo agora até que vai bem no sentido do que está sendo feito no resto do país e do mundo: Israel construindo seu muro pra se "proteger" dos palestinos, os Estados Unidos construindo seu muro pra se "proteger" dos mexicanos, as classe média e alta brasileira cada vez mais se "escondendo" em condomínios fechados murados e gradeados para se "proteger" do povo pobre e preto. Faz tudo parte da mesma lógica de "medo do povo", a mesma lógica que faz agora a grande mídia nacional bradar pelo anseio da "sociedade civil" de diminuição da maioridade penal, de leis penais cada vez mais severas e de criminalização dos movimentos sociais. Mas esse "medo" não é sem fundamento, foi causado por essas mesmas classes, pois num Estado cada vez mais neoliberal e mais injusto, é necessário um sistema penal cada vez mais rígido e mais muros, grades e vidros blindados para "conter" o povo.
Universidade Nova = Escola-prisão
Se "polícia é para quem precisa",
as grades são para quem?
No final do século XVIII, Jeremy Bentham elaborou uma idéia que seria a marca da modernidade. Escolas, hospitais, fábricas e prisões deveriam ter a mesma arquitetura e a mesma lógica de funcionamento. Os muros e grades deveriam ser erguidos para todos! Entretanto, o objetivo não era somente o de inibir que o de dentro saia, mas que o de fora entre. Como um bom utilitarista que era, Bentham defendia uma classificação total da sociedade, de todos os homens e mulheres, para que cada um tivesse nesta sociedade sua função claramente definida. A este projeto deu o nome de Panóptico, porque de dentro dele, de uma torre central, qualquer um estudante-prisioneiro deveria ser vigiado em todos os seus movimentos, ou pior: se auto-vigiar, já que a presença do inspetor na torre central não era garantida. O Panóptico deveria servir não só para tirar o máximo dos seus cativos, mas para mostrar para toda a sociedade como deveria ser administrada a vida no novo mundo (ou no "mundo novo", como preferiria o nosso reitor) que se erguia.
Então, finalmente a UFBA adentra na modernidade idealizada por Bentham! Cercas para coibir a circulação estão a ser construídas: ninguém entra, ninguém sai. Uma reestruturação da arquitetura se apresenta para construir uma torre central no qual a burocracia acadêmica, os novos inspetores, pode vigiar tudo o que esteja a ser produzido na sua escola-prisão. A construção de uma ciência útil, não socialmente útil, mas útil para a reprodução do capital é colocada como meta. E, por fim, uma classificação de professores e estudantes, conforme o andar que ocupe na hierarquia da Universidade Nova de desenha: 1) estudante/professor Bacharel Interdisciplinar; 2) estudante/professor qualificado; 3) estudante/professor proprietário do saber, etc.
Como séculos depois Foucault observou, a utilidade não está na fortificação em si, mas na introjeção das grades na mente de cada um (biopoder). Por isso, podemos fazer uma analogia entre a aparente inutilidade desse processo de "fortificação" da UFBA com a análise que este mesmo autor faz sobre o aparente fracasso do sistema penal. Devemos distinguir a função manifesta das grades de sua função real, não-manifesta: ora, se não servem para oferecer proteção efetiva, sua função é muito mais simbólica que prática, e nesse sentido elas desempenam perfeitamente seu papel ao demarcar para as classes excluídas quais os limites do seu espaço social, ao fortalecer a imagem da universidade encastelada, enclausurada, separada dos conflitos sociais que ficam "do lado de fora". Sem contar que a História demonstra que um clima de "luta contra o terror" sempre acaba por favorecer justamente quem está no poder, e sempre há um enrijecimento da hierarquia em virtude da "necessidade excepcional," por isso é muito conveniente a esses dirigentes em diversos momentos incentivarem a disseminação do medo contra determinado "inimigo" para que o "clamor" por essas atitudes pareça que vem dos próprios dirigidos.
É a universidade cada vez mais próxima do totalitarismo da liberdade vigiada de 1984, de George Orwell, através não apenas das cercas, mas também da proliferação das câmeras e do policiamento militar e civil nos campi, ao mesmo tempo em que se aproxima da "democracia entorpecente" do Admirável Mundo Novo de Aldous Huxley através do Universidade Nova e da negação do conhecimento crítico a quem dele precisa... Assim, garante-se a "segurança" da opressão pelos dois extremos complementares, tanto pela força quanto pelo condicionamento sócio-educacional.
Uma universidade que se pretende integrada à sociedade deve estar integrada também espacialmente, inclusive no que diz respeito às mazelas sociais do seu entorno, para buscar construir junto à sociedade as soluções desses problemas, ao invés de se ilhar aparentando uma "bolha" de paz no meio da guerra urbana. Por isso, a melhoria da questão da segurança na UFBA passa necessariamente pelo caminho inverso ao encastelamento promovido pela Reitoria, ou seja, pela integração cada vez maior às comunidades vizinhas, não através de trabalhos pontuais e assistencialistas, mas com ações que contribuam efetivamente para a emancipação dessas comunidades, trazendo-as também para dentro da universidade e direcionando o conhecimento produzido para a resolução de seus problemas. O que nos faz voltar à discussão sobre o próprio caráter da universidade, já que são duas discussões indissociáveis, mas que a reitoria tenta colocar como totalmente autônomas, como se um novo modelo de universidade não pressupusesse uma nova forma de relacionamento com a sociedade e com o espaço geográfico ao seu redor, como se a "reestruturação da arquitetura acadêmica" nada tivesse a ver com o contexto concreto do espaço em que a prática acadêmica se dá.
Assim, nós nos manifestamos totalmente contra a esse processo de encastelamento de nossa universidade, e convidamos a tod@s os que se sentem indignad@s com esse absurdo a derrubar todas as formas de muros e grades que separam nossa universidade dos trabalhadores, até mesmo porque se esconder é inútil: se não formos nós, estudantes, a fazermos isso hoje, serão os próprios trabalhadores que estão do lado de fora, amanhã.