UM CONVITE...

Quando uma sociedade é incapaz de criar as justificativas da sua existência, modifica imediatamente os mecanismos de produção das ideologias. A universidade sempre foi um desses mecanismos. Mas se a universidade já não pode mais dar resposta ao atual estágio de dominação, é porque de alguma forma as pessoas começaram a despertar. Deixaremos mais uma vez os soníferos discursos das modernizações conservadoras nos colocarem na cama ou nos levantaremos definitivamente? Fazemos, então, um convite à rebeldia e à criatividade. Não podemos aceitar a velha universidade burocratizada, nem a UNIVERSIDADE NOVA colonizada. Construamos nós, junto aos trabalhadores, a Universidade Popular!

COMUNA


domingo, 7 de setembro de 2008

A ESCOLA ANARQUISTA NA PRIMEIRA REPÚBLICA

Angela Maria Souza Martins - UNIRIO

Introdução

Pesquisamos a instituição da escola anarquista no contexto educacional brasileiro, no período da Primeira República. Consideramos que o movimento anarquista possibilitou uma reflexão significativa sobre a teoria pedagógica e as práticas escolares. No Brasil, as idéias pedagógicas da educação anarquista vieram por meio de imigrantes espanhóis, portugueses e italianos.

No início do século XX, começou uma propaganda sistemática do anarquismo e do anarco-sindicalismo, no Brasil. Foram criadas algumas escolas, publicados muitos jornais e realizadas várias atividades culturais com o intuito de divulgar o ideário libertário. Nesse período, acentua-se o debate sobre o papel social e político da escola, pois os anarquistas pretendiam romper com a hegemonia da educação ministrada pela Igreja e pelo Estado, por isso buscavam implantar uma escola que utilizasse a pedagogia racional libertária. Os anarquistas acreditavam que por meio da ação educacional transformariam as relações sociais e econômicas, com a intenção de instituir uma sociedade: fraterna, igualitária e democrática. A educação torna-se um importante campo doutrinário.

O movimento anarquista acreditava que uma proposta educacional baseada na razão e na liberdade poderia superar as superstições e os dogmas da educação confessional, como também enfrentar a doutrinação do Estado. Segundo Lima (Cf. Lima, 1915), o homem vem ao mundo com predisposições, estas podem ser transformadas e aperfeiçoadas pela atuação da educação e do meio. Assim, a educação é um meio importante para mudar valores e princípios, que são fundamentais para a implantação de um novo tipo de sociedade.

Em nossa pesquisa, nos chamou a atenção a junção das categorias racional e libertária, o que nos fez mergulhar no estudo das origens dessas categorias e como elas influenciaram a pedagogia racional libertária, além desse estudo teórico fizemos o levantamento de vários periódicos, do início do século XX, que veiculavam as idéias anarquistas e também outras tendências socialistas, como por exemplo: O livre Pensador, O amigo do Povo, A Terra Livre, O Libertário, O Socialista, A Lanterna, O Trabalhador, A Voz do Trabalhador, A Vida, A Plebe, Tribuna do Povo, A Liberdade, entre outros.

Outra fonte histórica importante que localizamos foi o acervo de correspondência de Fábio Luz, no Arquivo Nacional. Fábio Luz foi um anarquista que passou despercebido dos estudos acadêmicos brasileiros. As fontes históricas encontradas são muito ricas e temos a possibilidade de apresentar informações que devem ser mais aprofundadas para compreender melhor a inserção da pedagogia libertária no Brasil.

A inserção da escola anarquista no Brasil

Ao iniciar o século XX, intensificou o fluxo da imigração italiana e espanhola, estes imigrantes trouxeram para o movimento sindical o ideário anarquista. A educação e as atividades culturais foram fundamentais para a divulgação do movimento anarquista. De acordo com os anarquistas, a abertura de escolas era uma estratégia cultural e política importante, porque essas instituições possibilitariam o desenvolvimento de mentes livres e racionais.

Com essa intenção foram criadas as Escolas Modernas no Brasil, baseadas na pedagogia racional libertária, inspiradas em Ferrer y Guardia. Estas escolas deveriam ser portadoras de práticas educativas que respeitassem a liberdade da criança, sua espontaneidade, sua independência e o espírito crítico.

De acordo com Luizetto (1986), a primeira Escola Moderna brasileira foi criada em maio de 1912, em São Paulo, foi dirigida pelo professor João Penteado, um anarquista, admirador de Ferrer y Guardia. A Escola Moderna nº 1, de São Paulo, tornou-se um paradigma da educação libertária no Brasil e recebeu o apoio de anarquistas e pessoas que ansiavam mudanças educativas: socialistas, livres-pensadores, entre outros. Essas pessoas criaram um Comitê Organizador da Escola Moderna "encarregado pelos representantes de vários centros liberais e associações econômicas de expor ao público o programa da Escola Moderna, angariar fundos e explicar as bases do ensino racionalista" (Luizetto, 1986, p.31).

Encontramos no periódico Terra Livre (1910) uma Exposição de Motivos que explicava os princípios que nortearam a proposta pedagógica da Escola Moderna: 1) libertação da criança da moral baseada no misticismo religioso e na política vigente; 2) desenvolver a inteligência e formar o caráter por meio da solidariedade; 3) o professor devia divulgar as verdades adquiridas pelo estudo da história e da ciência; 4) a escola deve tornar a criança um homem livre e completo. Segundo Luizetto (1986), a escola Moderna foi instalada em 13 de maio de 1912, na Rua Saldanha Marinho 66, no Belenzinho.

Essa escola tinha como objetivo ministrar uma educação livre de preconceitos. Seus alunos deveriam estar imbuídos de um espírito de observação e crítica racional de modo que enfrentassem a moral vigente e pudessem empreender a crítica a sociedade de então (Cf. Boletim da Escola Moderna, 1919).

Nesta escola, de acordo com o periódico A Plebe, de 1917:

"eram oferecidos três cursos: primário , médio e adiantado, no período diurno (das 11h 30m às 16h30m) e noturno (das 19h às 21h). O curso primário compunha-se das seguintes matérias: "Rudimentos de Português, Aritmética, Caligrafia e Desenho. O curso médio, de "Gramática, Aritmética, Geografia, Princípios de Ciência, Caligrafia e Desenho". E o curso adiantado, de "Gramática, Aritmética, Geografia, Noções de Ciências Físicas e Naturais, História, Geometria, Caligrafia, Desenho, Datilografia" (apud Luizetto, 1986, p.35-36).

A Escola Moderna usava o método racional e a co-educação de sexos e classes sociais e

a insistência no método racional era no sentido de combater o ensino dogmático baseado em fundamentos religiosos professado nas escolas estatais e confessionais, assim como demonstrava o sucesso entre os livres-pensadores das possibilidades apresentadas pelo conhecimento científico, inclusive essas propostas podiam descambar para uma postura positivista de ensino (Kassick, Neiva e Kassick, Clóvis, 2004, p.2).

Além da primeira Escola Moderna, criada, em São Paulo, no Belenzinho, na Revista A Vida, editada em 1915, é noticiada a criação de mais uma escola racionalista libertária em São Paulo,

Escola Nova

Acaba de instalar-se em São Paulo, à rua Alegria, 26 (sobrado), um instituto de instrução e educação, para meninos e meninas, e que se serve dos metodos racionaes e cientificos da pedagogia moderna.

As materias de ensino são ministradas em três cursos especiaes, primario, medio e superior.

Curso primario: portuguez, aritmetica, geografia, botanica, zoologia, caligrafia e desenho.

Curso medio: portuguez, aritmetica, geografia, mineralogia, botanica, zoologia, fisica, quimica, geometria, historia universal, caligrafia, desenho.

Curso superior: aritmetica, algebra, botanica, zoologia, mineralogia, fisica, quimica historia universal, geologia, astronomia, desenho, portuguez, italiano, espanhol, etc.

Os cursos primario e medio acham-se a cargo dos educacionistas Florentino de Carvalho e Antonio Soares.

O curso superior acha-se sob a direção de intelectuais de reconhecida competência, figurando entre eles o professor Saturnino Barbosa, Drs. Roberto Feijó, Passos Cunha, A. de Almeida Rego, Alfredo Júnior, os quaes lecionam materias de sua respectiva especialidade.

Como se vê, a Escola Nova é uma bela iniciativa, que merece todo o apoio dos amigos da educação racionalista (A Vida, 1915, p. 79-80).

Rodrigues (1992) afirma que no período de 1895 a 1920 foram criadas mais de quarenta escolas anarquistas, no Brasil. No estado do Rio de Janeiro foram instaladas: a Universidade Popular, do Centro Internacional dos Pintores, em 1904; a Escola Operária 1° de Maio, em 1919; a Nova Escola, em 1920; as Escolas Profissionais, fundadas pela União Operária, em diversas fábricas de tecidos, em 1920; a Escola Livre, criada pelos operários da indústria têxtil de Petrópolis, em 1920; a Escola da Liga da Construção Civil, no ano de 1921, em Niterói; a Escola Operária, do Centro de Resistência dos Cocheiros e a Escola Noturna de Artes e Ofícios.

Como afirmamos anteriormente as escolas anarquistas trabalhavam com a pedagogia racional libertária, esta pedagogia tinha como pressuposto enfrentar o processo de dominação e criar uma nova mentalidade, pautada em valores tais como: solidariedade, cooperação, igualdade e liberdade.

A pedagogia racional libertária

De acordo com os anarquistas, a escola não podia prescindir do método racional e da co-educação de sexos e classes sociais. A insistência no método racional era no sentido de combater o ensino dogmático baseado em fundamentos religiosos professado nas escolas estatais e confessionais.

Para os anarquistas, a racionalidade não era apenas um recurso epistemológico para atingir a verdade, mas um instrumento que possibilitava a libertação dos dogmas impostos pelas diferentes religiões. Assim, o anarquismo passa a enfatizar a racionalidade, a liberdade e a espontaneidade.

Eles consideram os indivíduos "unidades ativas, independentes, capazes de produzir e gerenciar em autogestão, sem as muletas políticas, religiosas, sem chefes: vai até onde a liberdade e a inteligência o possa levar" (RODRIGUES, 1999, p.3). Por isso não podiam aceitar as escolas mantidas pelo Estado capitalista, porque estas instituições eram orientadas por uma pedagogia autoritária, que reproduzia a opressão. A pedagogia autoritária era um meio para subjugar as pessoas com o intuito de fazê-las obedecer e pensar de acordo com os dogmas sociais. Esta postura impossibilitaria a construção do novo homem, autônomo, livre pensador, que poderia vencer todo tipo de dogmatismo. Nesse sentido, era necessário criar escolas com novos princípios pedagógicos.

Para a pedagogia libertária, a racionalidade e a liberdade são princípios fundamentais para promover mudanças básicas na estrutura da sociedade e substituir o estado autoritário por um modo de cooperação entre indivíduos livres. Esses princípios poderiam conduzir uma luta permanente pelos direitos e deveres de uma sociedade igualitária e seriam a base de uma educação integral, que tem como meta a capacitação dos oprimidos (Cf. Guardia, s/d).

Acreditavam que as crianças não nascem com idéias preconcebidas (Cf. Guardia, s/d), elas adquirem todos os seus princípios e valores ao longo da vida, por isso deve-se educar uma criança com noções positivas e verdadeiras, baseadas na experiência e na demonstração racional. A escola não deve trabalhar com limitações e dogmatismo.

A meta da educação é fazer com que meninos e meninas tornem-se pessoas instruídas, verdadeiras, justas e livres. Para tal, o ensino deve estar baseado na ciência, pois a consideram um patrimônio de todos e somente ela permite dissipar os erros. De acordo com Ferrer y Guardia (s/d), a ciência confere realidade às coisas e faz com que não caiamos nas malhas das fábulas ou sonhos. A ciência deve ser ensinada à criança desde a mais tenra idade, pois na primeira infância a vida é receptiva.

O estudo da ciência seria o fio condutor do currículo das escolas anarquistas, porque a meta era atingir uma educação moral orientada pelo racionalismo científico. Este racionalismo deveria estar a serviço do homem e não podia escravizá-lo, pois sua função era libertar os homens dos dogmas.

A educação racional deveria propiciar: uma base racional e científica ao ensino; uma educação completa e harmoniosa que desenvolvesse a formação da inteligência e do caráter e a preparação de uma pessoa física e moralmente equilibrada. De acordo com Ferrer y Guardia (s/d), o homem é um complexo de múltiplas facetas, ou seja, a conjugação de coração, inteligência e vontade, por isso não podemos habituar as crianças a obedecer, a crer e a pensar, segundo as diretrizes da pedagogia tradicional.

Os anarquistas preconizavam os métodos ativos, com a finalidade de preparar os estudantes para o trabalho e também incentivar a militância. Respeitavam a liberdade da criança, sua espontaneidade, as características de sua personalidade, sua independência, seu juízo e espírito crítico. Buscavam desenvolver as aptidões naturais dos educandos, de maneira que eles ampliassem suas potencialidades e, assim, tornar-se-iam seres humanos plenos que atuariam em diferentes segmentos: artístico, produtivo, e social.

A ação da pedagogia racional libertária não se destinou apenas a crianças e jovens, ela também atuava no ensino profissional para adultos. Os anarquistas organizavam palestras e conferências nos chamados Centros de Cultura Social. Produziam jornais e outras atividades culturais, ações que visavam a transformação da sociedade na qual viviam os operários. Havia uma articulação entre a imprensa, os Centros de Cultura Social, as Ligas dos trabalhadores e as escolas libertárias.

A educação anarquista e os periódicos

Havia um estreito vínculo entre a educação anarquista e a produção de periódicos, pois os anarquistas acreditavam que para efetivar uma mudança de mentalidade era preciso unir diferentes atividades culturais como: escolas, jornais, centros culturais e outras atividades, para conseguir transformar a sociedade.

Nas atividades culturais e nas aulas, a leitura e discussão de artigos de jornais serviam como um método pedagógico para refletir sobre problemas do cotidiano e também para sistematizar as idéias e organizar o pensamento. Os anarquistas produziram muitos periódicos, buscaram caminhos para divulgar seus princípios, mudar consciências e possibilitar uma revolução social.

De acordo com Kassick (2004, p.3),

"na escola, os jornais operários serviam de suporte técnico para as salas de aula através de seus artigos, muitos deles contendo a tradução de textos de educadores anarquista estrangeiros. Deste modo, ao mesmo tempo que forneciam material para análise e estudo dos alunos, divulgavam as idéias anarquistas e as experiências pedagógicas libertárias desenvolvidas em outros países".

A produção de periódicos foi fundamental para o movimento anarquista e a pedagogia libertária. Criou-se um caminho diferente para a aprendizagem, eles faziam reuniões em diversos espaços como: fábricas, escolas ou centros de cultura para realizar a leitura em voz alta dos artigos de jornais e revistas, ações que propiciavam o processo de alfabetização de muitos trabalhadores (Cf. Kassick, Neiva e Kassick, Clóvis, 2004). Desse modo fortaleceu-se uma espécie de rede de divulgação das idéias libertárias. A leitura de artigos de jornais servia como um ótimo método pedagógico para refletir sobre problemas do cotidiano e também para sistematizar as idéias e organizar o pensamento.

Destacamos que essas leituras e discussões não ficavam restritas aos operários que defendiam a causa anarquista, outros trabalhadores participavam dessas atividades. Os anarquistas acreditavam que a ação educativa poderia realizar uma mudança significativa da realidade e seria uma estratégia importante para implantar um novo tipo de sociedade, sem hierarquia, uma sociedade ácrata. A educação libertária precisava desenvolver uma consciência anárquica, que rejeitasse qualquer relação autoritária, para instaurar uma nova forma de organização social – a autogestão.

Os anarquistas possuíam uma intensa produção de periódicos, buscavam caminhos para divulgar seus princípios, mudar consciências e atingir a meta final que era a revolução social. Essa produção de periódicos foi fundamental para o movimento anarquista e a pedagogia libertária. Podemos afirmar que foi criado um caminho informal de aprendizagem e divulgação de idéias, fortaleceu-se uma espécie de rede de informações. Os anarquistas acreditavam que essas ações fortaleciam a luta pela transformação dos princípios que regiam a sociedade burguesa.

De acordo com Neiva Kassick e Clóvis Kassick,

O trabalho dos militantes na imprensa anarquista se deu também através da tradução de textos e de relatos de experiências libertárias em educação, que, às vezes, era responsável pelo fato de novas iniciativas serem conhecidas simultaneamente na Europa e no Brasil. Desse modo, os anarquistas brasileiros, em especial os educadores, puderam ter conhecimento imediato das experiências desenvolvidas fora do Brasil e que atendiam à demanda da educação popular em outros países. À medida que essas informações circulavam e eram discutidas, forneciam os instrumentos para que os trabalhadores pudessem avaliar as condições precárias da educação que lhes era oferecida e criar suas próprias alternativas (Kassick, Neiva e Kassick, Clóvis, 2004, p.4).

Esse modo agir pedagógico parece ter tido muito maior alcance do que conhecemos nos atuais registros dos livros de história da educação, por isso estamos pesquisando novos acervos documentais para ampliar nosso conhecimento histórico sobre a educação anarquista. Com esse intuito trabalhamos com o acervo de correspondência de Fábio Luz, no Arquivo Nacional.

Contribuições de Fábio Luz para o movimento e a educação anarquista

Fábio Lopes dos Santos Luz (1864-1938), foi um médico baiano que, no século XIX, se envolveu com o movimento abolicionista e republicano. Lutou contra as injustiças sociais, a miséria e a opressão política das classes populares. Além de exercer a medicina, também trabalhou com inspetor escolar no Distrito Federal e foi crítico literário em vários periódicos, desenvolvendo uma fértil atividade literária. Dedicou-se a escrita de romances sociais. Destacamos suas obras: os romances, Ideólogo e Os Emancipados e as novelas, Nunca e Manuscrito de Helena.

Ele aderiu ao movimento anarquista, seguindo os princípios do anarquismo libertário, inspirado em Kropotkin, Elisée Reclus e Malatesta. Fez conferências, palestras e escreveu para os periódicos: "A Plebe", "A Vida", "Voz da União", "Spartacus", entre outros. Dedicou-se à implantação da Universidade Popular, que deveria fornecer formação científica e política ao proletariado. Essa iniciativa durou poucos meses, mas recebeu a contribuição de nomes respeitados da intelectualidade carioca, como: Elisio de Carvalho, Felisbelo Freire, Rocha Pombo, Evaristo de Morais, Pedro Couto, José Veríssimo e outros.

A partir do acervo de suas correspondências, no Arquivo Nacional, constatamos o seu incentivo à organização de escolas que criassem mecanismos de auto-gestão, de modo a não depender exclusivamente do financiamento do estado. Localizamos uma correspondência, datada de 19 de setembro de 1916, com o Grupo Escolar Frei Miguelinho, em Natal, no Rio Grande do Norte, onde o Diretor da referido Grupo Escolar explicava que inspirado nas propostas de gestão de Fábio Luz, organizou duas Caixas Escolares, uma destas teria a finalidade de incutir na criança uma nova concepção de economia e a outra era mantida por sócios honorários com o intuito de auxiliar as crianças pobres.

Fábio Luz exerceu uma militância política anarquista significativa ao lado de José Oiticica, formando o grupo "Os Emancipados" e participou da fundação de dois periódicos: "A Luta Social" e "Revolução Social". Até 1938, quando faleceu, manteve seus ideais anarquistas.

Considerações Finais

Por meio de nossa pesquisa constatamos que a educação anarquista foi uma estratégia para instaurar a reflexão sobre as desigualdades sociais e econômicas. Este tipo de educação considerava a reversão de valores e princípios imprescindível para instaurar um novo tipo de homem e sociedade. Para os anarquistas "a única forma de eliminar essa relação de desigualdade, na qual uma minoria dirigente submete a maioria dirigida, é restabelecendo a força social da coletividade" (Kassick, Neiva e Kassick, Clóvis, 2004, p. 9). Essa força social somente seria construída a partir de um novo tipo de educação que permitiria não somente o acesso aos diferentes tipos de conhecimento, como também a uma ampla discussão sobre os destinos da sociedade.

Consideraram que para enfrentar o processo de dominação seria preciso criar instituições escolares que desenvolvessem uma proposta que possibilitasse a formação de uma nova mentalidade. Na verdade, era preciso instaurar uma visão de mundo baseada em valores tais como: solidariedade, cooperação, igualdade e liberdade. Com essa intenção criaram, no Brasil, suas escolas, que apesar de modestas, poderiam começar um processo de combate a visão subalterna de mundo e proporcionar uma visão de mundo racional e crítica para desenvolver uma sociedade libertária.

Essas experiências demonstram como os educadores anarquistas brasileiros, travaram uma luta constante para construir uma sociedade mais justa, por meio dos caminhos pedagógicos. Partiam do princípio que os homens nascem iguais e, por isso, deveriam ter os mesmos direitos, "a convivência entre pobres e ricos, quando ainda criança, possibilitaria superar as discriminações sociais e evitar o problema de ódio entre as classes" (Kassick, Neiva e Kassick, Clóvis, 2004, p.5-6). Buscavam, por meio da educação, um novo tipo de consenso social.

Consideramos significativa a pesquisa histórica sobre essa concepção pedagógica no sentido de refletir sobre novos paradigmas do pensamento educacional brasileiro, na contemporaneidade.

quarta-feira, 3 de setembro de 2008

"Por entre grades... Transformação Social?"

(Sobre o caso de violência sexual na UFBA)


Quantos terão que sofrer pra se tomar providência

Ou vão dar mais algum tempo e assistir a seqüência

E com certeza ignorar a procedência

O sensacionalismo pra eles é o máximo

Acabar com delinqüentes eles acham ótimo

Desde que nenhum parente ou então é lógico

Seus próprios filhos sejam os próximos

(Pânico na Zona Sul – Racionais MC's)

Na terça-feira, dia 19 de agosto, uma estudante do curso de Dança da UFBA foi vítima de violência sexual dentro do campus universitário de Ondina em plena luz do dia. Este fato criminoso repugnante se insere, em alguma medida, num debate político que afeta a todos nós –- professores, trabalhadores da universidade e estudantes, homens e mulheres. E não diz respeito apenas a comunidade acadêmica, mas a toda a comunidade soteropolitana. Nossa análise dos fatos passa por duas variáveis, quais sejam, a violência contra a mulher e o paradigma da Universidade Nova/REUNI.

Conforme esperado, o episódio narrado acima suscitou a indignação e revolta de toda a universidade, levando a realização imediata de um protesto em frente à reitoria da universidade que contou com cerca de 1000 pessoas. Esses estudantes se dirigiram até lá na ânsia por respostas não apenas para este episódio, mas para a situação da violência, tanto criminal quanto institucional, a qual somos cotidianamente submetidos. A primeira (pseudo) resposta nos foi posta por um representante da administração central, o vice reitor, Prof. José Mesquita, que atribuiu o "episódio lamentável" a uma suposta falta de bom senso da estudante violentada, que estaria em uma situação propícia à violência sexual. Num processo de desresponsabilização institucional, há uma clara inversão de responsabilidades: a vítima é que seria a causadora do ato de violência sofrido. Tal posicionamento, de desresponsabilização é algo, infelizmente, recorrente, sobretudo em casos de violência sexual, como se observou na ocupação da Reitoria em 2007 –- e que é observado claramente já fora da universidade, quando uma autoridade policial responsável pela investigação do fato concede entrevistas questionando o depoimento da vítima e atacando o movimento estudantil.

Para além da série de absurdos acima relatados, há ainda que se considerar todo o discurso legalista em torno dos fatos: "Estupro só ocorre com penetração vaginal" –- é com base nisto que a delegada acusa o movimento estudantil de deturpar os fatos para criar um factóide, o que é prontamente utilizado pela administração central para uma vez mais deslegitimar a mobilização dos estudantes. Em decorrência disso, além de deslocar o debate, tirando o foco do papel da universidade neste processo e de como esta mesma universidade está apartada da realidade em que se insere, tal instituição expõe sua incapacidade de lidar com questões tão sérias e, infelizmente, comuns em nossa sociedade, a exemplo da violência sexual contra a mulher. Independente do artigo do Código Penal no qual o crime se enquadra[1], estamos lidando com a vida de uma colega estudante, exposta nos noticiários, questionada pelas autoridades, defendida aos gritos nas ruas do centro da cidade por centenas de estudantes indignados.

Posturas lamentáveis como esta são mais comuns do que gostaríamos. Perpassam, diretamente, pelo sexismo e pelo machismo de nossa sociedade que não respeita a mulher e o direito ao seu corpo, sobretudo numa cidade como Salvador, na qual, culturalmente, os homens sentem-se mais que à vontade para abordar grosseiramente as mulheres, muitas vezes com palavras e gestos de baixo calão, não se furtando de tocá-las se assim o desejam. Quantas de nós não somos submetidas a estes afagos indesejáveis, em geral nos braços e cabelos, seguidos sempre de comentários tão desrespeitosos quanto? Então, somos nós as criminosas, nascidas mulheres, desfilando desavergonhadamente nossos corpos pelas ruas da cidade, despertando a libido de maníacos e machistas e causando inconvenientes político-administrativos a reitores e vice-reitores que se vêem na eminência de dar à sociedade e à comunidade acadêmica respostas imediatas por culpa de uma estudante que provocou uma tentativa de estupro? E justo dentro do campus de Ondina...

No dia seguinte ao fato é realizada pela manhã, no salão nobre da Reitoria, uma das maiores assembléias de estudantes da história da universidade e, pela tarde, ocorre uma reunião do Conselho Superior da UFBA (CONSUNI)[2], contando com a presença massiva dos estudantes. O objetivo central das reuniões seria o de definir quais as medidas seriam tomadas para evitar episódios de violência. Neste ponto se percebe o caráter retrógrado da burocracia acadêmica (e, lamentavelmente, até de uma parte de seus discentes) quando constatamos que o debate em torno das políticas de enfrentamento da violência se reduzem aos aspectos imediatistas, repressivos e elitistas marcando o caráter classista da universidade. Neste particular as palavras de ordem do movimento estudantil são também emblemáticos: ESTUPRO NA UFBA NÃO!; SEGURANÇA JÁ! VIOLÊNCIA NÃO!; POLÍCIA É PRA LADRÃO, PRA ESTUDANTE NÃO!. Isto aponta a dificuldade de se estabelecer um debate para além do nosso umbigo acerca não de um mero episódio isolado ou de uma "fatalidade", mas de uma dura realidade ignorada em sua essência por uma universidade que não dialoga com as reais necessidades de seu entorno, que não é socialmente referenciada (a não ser enquanto atalho para manutenção ou ascensão social), e que está voltada para interesses particularistas e de mercado. Basicamente trazemos para nossa universidade a solução que encontramos para nossa casa: coloquemos grades para isolar e proteger em uma torre de marfim a intelectualidade em seu ato sacralizado de produzir ciência para o mercado.

Aparentemente, se esquece que o problema da violência atinge toda sociedade e que tanto seu debate quanto seu enfrentamento passam por uma série muito complexa de questões, exigindo que se considere soluções a partir de um diálogo coletivo e não um simples isolamento físico com grades, catracas, cartões de acesso, câmeras de vigilância.

Universidade Popular SIM! Condomínio Fechado NÃO!

"(...) as grades do condomínio são para trazer proteção
mas também trazem a dúvida se não é você que e
stá nessa prisão."

(o Rappa)

No entorno de nossos campi existem comunidades como as do Calabar e do Alto das Pombas, com as quais a universidade precisa e deve interagir através de projetos de extensão, vide os modelos já existentes das ACC's (Atividade Curricular em Comunidade), tentando ir para além de uma abordagem "laboratorial" ou assistencialista como bem colocam os próprios moradores destas localidades. Existe um hiato entre esses projetos ainda marginais e sem apoio institucional e este modelo caduco, racista, classista, homofóbico, machista e sexista de nossa universidade atual. O que precisamos problematizar em momentos como este é qual modelo de universidade temos e qual modelo queremos. Estamos falando de um espaço que se coloca enquanto democrático mas manipula informações e criminaliza os movimentos sociais (com destaque para o estudantil), tão democrático que há quatro anos neste mesmo CONSUNI se aprovou um plano de segurança que nunca saiu do papel e que agora, ameaçados por uma situação-limite, aprovaram novamente o mesmo plano de segurança, mas não sem antes criar na mídia um discurso pautado na necessidade de policiamento nos campi -- algo que a comunidade estudantil rechaça –- e assim, culpabiliza os estudantes, supostos viciados e usuários de substâncias ilícitas que em função disto negam a presença da polícia militar, civil ou federal na universidade.

Rechaçamos tais manifestações e lembramos que o posicionamento contra a presença da polícia em nossas unidades é político: somos contrários à política de segurança baseada na prática de extermínio e tortura que ocorre sobretudo nos bairros periféricos; questionamos o uso que poderia ser feito pela administração central do aparelho repressor do Estado em um contexto de tensão política como o da universidade; e, sobretudo, lutamos para manter o restante de liberdade de pensamento que resta em nossa sociedade. E, por fim, a razão maior: historicamente nós conhecemos qual o procedimento da polícia quando atua na universidade e fora dela, tendo muitos de nós vivenciado isto na história recente, tanto no fatídico 16 de maio de 2001, quando a polícia militar invadiu o campus a mando de ACM; quanto no dia 15 de novembro de 2007, quando a Polícia Federal prendeu quatro estudantes que participavam da ocupação da Reitoria. Estas são as nossas motivações, muito além da lamentável discussão rasteira trazida pela mídia acerca da estigmatização dos estudantes.

A crise está posta. É o limite do absurdo, que há muito se encontra como um fato dado para uma maioria de soteropolitanos residentes nos bairros populares e nas periferias e que convivem com: a violência policial; a opressão do Estado e das autoridades; o descaso da universidade; a inacessibilidade a direitos elementares como saúde e educação de qualidade. Logo, diante de um ato bárbaro como este, o que primeiro se vê é a reprodução das práticas e discursos maniqueístas de sempre, quando uns buscam se eximir de suas responsabilidades enquanto outros catam alguns votos e buscam agregar uma base militante em pleno período de campanha eleitoral. Em tal contexto, esquecemos de perguntar ao Magnífico Reitor, a seus colegas professores que com ele formam a burocracia acadêmica, e ao governo federal onde estão as tão prometidas verbas das universidades federais: Qual projeto de assistência estudantil de que dispomos? Porque só existe segurança patrimonial terceirizada nos campi universitários, numa clara acepção classista que coloca o direito patrimonial acima dos direitos humanos? Porque existe um Núcleo de Estudos sobre Mulheres na universidade mas não existem diretrizes institucionais de enfrentamento à violência contra a mulher dentro da UFBA (que não se restringe a ataques fortuitos)? Porque o plano de segurança construído em 2004 nunca saiu do papel? Qual a posição da universidade diante da crise da segurança pública em nosso estado? Porque nossos gestores bem como os representantes do movimento estudantil encontram tanta dificuldade em discutir a violência contra a mulher? Em que medida as portas da universidade estão aberta à comunidade? É um momento de questionarmos profundamente nossa realidade: de estudante, universitário/ a, homem, mulher, soteropolitano/ a, questionando nosso papel na sociedade e buscando formas de superar os problemas que temos nos negado a enfrentar.

Nesse sentido, é mais do que imprescindível construirmos um outro modelo de universidade, que seja controlada de forma democrática por todos e todas que nela vivem (professores, estudantes e trabalhadores) , mas, além disso, que também os movimentos sociais (de luta pela terra, pela habitação, de negros, quilombolas, indígenas, de mulheres, GLBTT, e tantos outros) e as comunidades vizinhas passem a fazer parte da vida no campus, e que o campus seja estendido para esses espaços, fazendo com que seus representantes possam compartilhar da gestão desta universidade. Por isso, defendemos a Universidade Popular (que não é a universidade populista apresentada pelo REUNI e a Universidade Nova), com ensino e pesquisa comprometidos com a transformação radical da sociedade, e uma extensão totalmente atrelada a essa prioridade, como espaço fundamental para a elaboração do conhecimento e de novas práticas, partindo de uma concepção de educação verdadeiramente dialógica e emancipatória. Mas que, além disso, sejam garantidas as condições para tal tarefa, como assistência estudantil e derrubada das grades, tanto as simbólicas quanto as de metais.

COMUNA
Salvador, setembro de 2008.