UM CONVITE...

Quando uma sociedade é incapaz de criar as justificativas da sua existência, modifica imediatamente os mecanismos de produção das ideologias. A universidade sempre foi um desses mecanismos. Mas se a universidade já não pode mais dar resposta ao atual estágio de dominação, é porque de alguma forma as pessoas começaram a despertar. Deixaremos mais uma vez os soníferos discursos das modernizações conservadoras nos colocarem na cama ou nos levantaremos definitivamente? Fazemos, então, um convite à rebeldia e à criatividade. Não podemos aceitar a velha universidade burocratizada, nem a UNIVERSIDADE NOVA colonizada. Construamos nós, junto aos trabalhadores, a Universidade Popular!

COMUNA


quarta-feira, 3 de setembro de 2008

"Por entre grades... Transformação Social?"

(Sobre o caso de violência sexual na UFBA)


Quantos terão que sofrer pra se tomar providência

Ou vão dar mais algum tempo e assistir a seqüência

E com certeza ignorar a procedência

O sensacionalismo pra eles é o máximo

Acabar com delinqüentes eles acham ótimo

Desde que nenhum parente ou então é lógico

Seus próprios filhos sejam os próximos

(Pânico na Zona Sul – Racionais MC's)

Na terça-feira, dia 19 de agosto, uma estudante do curso de Dança da UFBA foi vítima de violência sexual dentro do campus universitário de Ondina em plena luz do dia. Este fato criminoso repugnante se insere, em alguma medida, num debate político que afeta a todos nós –- professores, trabalhadores da universidade e estudantes, homens e mulheres. E não diz respeito apenas a comunidade acadêmica, mas a toda a comunidade soteropolitana. Nossa análise dos fatos passa por duas variáveis, quais sejam, a violência contra a mulher e o paradigma da Universidade Nova/REUNI.

Conforme esperado, o episódio narrado acima suscitou a indignação e revolta de toda a universidade, levando a realização imediata de um protesto em frente à reitoria da universidade que contou com cerca de 1000 pessoas. Esses estudantes se dirigiram até lá na ânsia por respostas não apenas para este episódio, mas para a situação da violência, tanto criminal quanto institucional, a qual somos cotidianamente submetidos. A primeira (pseudo) resposta nos foi posta por um representante da administração central, o vice reitor, Prof. José Mesquita, que atribuiu o "episódio lamentável" a uma suposta falta de bom senso da estudante violentada, que estaria em uma situação propícia à violência sexual. Num processo de desresponsabilização institucional, há uma clara inversão de responsabilidades: a vítima é que seria a causadora do ato de violência sofrido. Tal posicionamento, de desresponsabilização é algo, infelizmente, recorrente, sobretudo em casos de violência sexual, como se observou na ocupação da Reitoria em 2007 –- e que é observado claramente já fora da universidade, quando uma autoridade policial responsável pela investigação do fato concede entrevistas questionando o depoimento da vítima e atacando o movimento estudantil.

Para além da série de absurdos acima relatados, há ainda que se considerar todo o discurso legalista em torno dos fatos: "Estupro só ocorre com penetração vaginal" –- é com base nisto que a delegada acusa o movimento estudantil de deturpar os fatos para criar um factóide, o que é prontamente utilizado pela administração central para uma vez mais deslegitimar a mobilização dos estudantes. Em decorrência disso, além de deslocar o debate, tirando o foco do papel da universidade neste processo e de como esta mesma universidade está apartada da realidade em que se insere, tal instituição expõe sua incapacidade de lidar com questões tão sérias e, infelizmente, comuns em nossa sociedade, a exemplo da violência sexual contra a mulher. Independente do artigo do Código Penal no qual o crime se enquadra[1], estamos lidando com a vida de uma colega estudante, exposta nos noticiários, questionada pelas autoridades, defendida aos gritos nas ruas do centro da cidade por centenas de estudantes indignados.

Posturas lamentáveis como esta são mais comuns do que gostaríamos. Perpassam, diretamente, pelo sexismo e pelo machismo de nossa sociedade que não respeita a mulher e o direito ao seu corpo, sobretudo numa cidade como Salvador, na qual, culturalmente, os homens sentem-se mais que à vontade para abordar grosseiramente as mulheres, muitas vezes com palavras e gestos de baixo calão, não se furtando de tocá-las se assim o desejam. Quantas de nós não somos submetidas a estes afagos indesejáveis, em geral nos braços e cabelos, seguidos sempre de comentários tão desrespeitosos quanto? Então, somos nós as criminosas, nascidas mulheres, desfilando desavergonhadamente nossos corpos pelas ruas da cidade, despertando a libido de maníacos e machistas e causando inconvenientes político-administrativos a reitores e vice-reitores que se vêem na eminência de dar à sociedade e à comunidade acadêmica respostas imediatas por culpa de uma estudante que provocou uma tentativa de estupro? E justo dentro do campus de Ondina...

No dia seguinte ao fato é realizada pela manhã, no salão nobre da Reitoria, uma das maiores assembléias de estudantes da história da universidade e, pela tarde, ocorre uma reunião do Conselho Superior da UFBA (CONSUNI)[2], contando com a presença massiva dos estudantes. O objetivo central das reuniões seria o de definir quais as medidas seriam tomadas para evitar episódios de violência. Neste ponto se percebe o caráter retrógrado da burocracia acadêmica (e, lamentavelmente, até de uma parte de seus discentes) quando constatamos que o debate em torno das políticas de enfrentamento da violência se reduzem aos aspectos imediatistas, repressivos e elitistas marcando o caráter classista da universidade. Neste particular as palavras de ordem do movimento estudantil são também emblemáticos: ESTUPRO NA UFBA NÃO!; SEGURANÇA JÁ! VIOLÊNCIA NÃO!; POLÍCIA É PRA LADRÃO, PRA ESTUDANTE NÃO!. Isto aponta a dificuldade de se estabelecer um debate para além do nosso umbigo acerca não de um mero episódio isolado ou de uma "fatalidade", mas de uma dura realidade ignorada em sua essência por uma universidade que não dialoga com as reais necessidades de seu entorno, que não é socialmente referenciada (a não ser enquanto atalho para manutenção ou ascensão social), e que está voltada para interesses particularistas e de mercado. Basicamente trazemos para nossa universidade a solução que encontramos para nossa casa: coloquemos grades para isolar e proteger em uma torre de marfim a intelectualidade em seu ato sacralizado de produzir ciência para o mercado.

Aparentemente, se esquece que o problema da violência atinge toda sociedade e que tanto seu debate quanto seu enfrentamento passam por uma série muito complexa de questões, exigindo que se considere soluções a partir de um diálogo coletivo e não um simples isolamento físico com grades, catracas, cartões de acesso, câmeras de vigilância.

Universidade Popular SIM! Condomínio Fechado NÃO!

"(...) as grades do condomínio são para trazer proteção
mas também trazem a dúvida se não é você que e
stá nessa prisão."

(o Rappa)

No entorno de nossos campi existem comunidades como as do Calabar e do Alto das Pombas, com as quais a universidade precisa e deve interagir através de projetos de extensão, vide os modelos já existentes das ACC's (Atividade Curricular em Comunidade), tentando ir para além de uma abordagem "laboratorial" ou assistencialista como bem colocam os próprios moradores destas localidades. Existe um hiato entre esses projetos ainda marginais e sem apoio institucional e este modelo caduco, racista, classista, homofóbico, machista e sexista de nossa universidade atual. O que precisamos problematizar em momentos como este é qual modelo de universidade temos e qual modelo queremos. Estamos falando de um espaço que se coloca enquanto democrático mas manipula informações e criminaliza os movimentos sociais (com destaque para o estudantil), tão democrático que há quatro anos neste mesmo CONSUNI se aprovou um plano de segurança que nunca saiu do papel e que agora, ameaçados por uma situação-limite, aprovaram novamente o mesmo plano de segurança, mas não sem antes criar na mídia um discurso pautado na necessidade de policiamento nos campi -- algo que a comunidade estudantil rechaça –- e assim, culpabiliza os estudantes, supostos viciados e usuários de substâncias ilícitas que em função disto negam a presença da polícia militar, civil ou federal na universidade.

Rechaçamos tais manifestações e lembramos que o posicionamento contra a presença da polícia em nossas unidades é político: somos contrários à política de segurança baseada na prática de extermínio e tortura que ocorre sobretudo nos bairros periféricos; questionamos o uso que poderia ser feito pela administração central do aparelho repressor do Estado em um contexto de tensão política como o da universidade; e, sobretudo, lutamos para manter o restante de liberdade de pensamento que resta em nossa sociedade. E, por fim, a razão maior: historicamente nós conhecemos qual o procedimento da polícia quando atua na universidade e fora dela, tendo muitos de nós vivenciado isto na história recente, tanto no fatídico 16 de maio de 2001, quando a polícia militar invadiu o campus a mando de ACM; quanto no dia 15 de novembro de 2007, quando a Polícia Federal prendeu quatro estudantes que participavam da ocupação da Reitoria. Estas são as nossas motivações, muito além da lamentável discussão rasteira trazida pela mídia acerca da estigmatização dos estudantes.

A crise está posta. É o limite do absurdo, que há muito se encontra como um fato dado para uma maioria de soteropolitanos residentes nos bairros populares e nas periferias e que convivem com: a violência policial; a opressão do Estado e das autoridades; o descaso da universidade; a inacessibilidade a direitos elementares como saúde e educação de qualidade. Logo, diante de um ato bárbaro como este, o que primeiro se vê é a reprodução das práticas e discursos maniqueístas de sempre, quando uns buscam se eximir de suas responsabilidades enquanto outros catam alguns votos e buscam agregar uma base militante em pleno período de campanha eleitoral. Em tal contexto, esquecemos de perguntar ao Magnífico Reitor, a seus colegas professores que com ele formam a burocracia acadêmica, e ao governo federal onde estão as tão prometidas verbas das universidades federais: Qual projeto de assistência estudantil de que dispomos? Porque só existe segurança patrimonial terceirizada nos campi universitários, numa clara acepção classista que coloca o direito patrimonial acima dos direitos humanos? Porque existe um Núcleo de Estudos sobre Mulheres na universidade mas não existem diretrizes institucionais de enfrentamento à violência contra a mulher dentro da UFBA (que não se restringe a ataques fortuitos)? Porque o plano de segurança construído em 2004 nunca saiu do papel? Qual a posição da universidade diante da crise da segurança pública em nosso estado? Porque nossos gestores bem como os representantes do movimento estudantil encontram tanta dificuldade em discutir a violência contra a mulher? Em que medida as portas da universidade estão aberta à comunidade? É um momento de questionarmos profundamente nossa realidade: de estudante, universitário/ a, homem, mulher, soteropolitano/ a, questionando nosso papel na sociedade e buscando formas de superar os problemas que temos nos negado a enfrentar.

Nesse sentido, é mais do que imprescindível construirmos um outro modelo de universidade, que seja controlada de forma democrática por todos e todas que nela vivem (professores, estudantes e trabalhadores) , mas, além disso, que também os movimentos sociais (de luta pela terra, pela habitação, de negros, quilombolas, indígenas, de mulheres, GLBTT, e tantos outros) e as comunidades vizinhas passem a fazer parte da vida no campus, e que o campus seja estendido para esses espaços, fazendo com que seus representantes possam compartilhar da gestão desta universidade. Por isso, defendemos a Universidade Popular (que não é a universidade populista apresentada pelo REUNI e a Universidade Nova), com ensino e pesquisa comprometidos com a transformação radical da sociedade, e uma extensão totalmente atrelada a essa prioridade, como espaço fundamental para a elaboração do conhecimento e de novas práticas, partindo de uma concepção de educação verdadeiramente dialógica e emancipatória. Mas que, além disso, sejam garantidas as condições para tal tarefa, como assistência estudantil e derrubada das grades, tanto as simbólicas quanto as de metais.

COMUNA
Salvador, setembro de 2008.

Um comentário:

Ação Direta Estudantil disse...

"ENEMBULAR" O NOVO VESTIBULAR

"tudo deve mudar para que tudo fique como estar"


Frase do Romance o Leopardo, deGiuseppe Tomasi di Lampedusa




O governo federal através do Ministro da Educação, Fernando Haddad, com apoio da União Nacional dos Estudantes, controlada e burocratizada pelos pelegos da UJS/PCdoB, adotaram a máxima dos nazistas e dos capitalistas de que uma mentira repetida várias vezes vira verdade. Assim eles fazem quando afirmam que atual Reforma Universitária está democratizando a universidade.

Depois de aprovarem o projeto de Parceria Público Privado (Lei 11079/2004), a legalização das fundações, o Programa Universidade Para Todos (PROUNI - Lei 11096/2005), o projeto de lei 3476/2004 (Lei de Inovação Tecnológica), o Sistema Nacional de Avaliação do Ensino Superior (SINAES -Lei 10861/2005), Exame Nacional de Desenvolvimento do Ensino (ENADE), os índices de classificação das universidades (CPC e IGC) e o Projeto Reestruturação e Expansão das Universidades Federais (REUNI), o governo anuncia mais uma mentira: o fim do vestibular.

Na verdade o ministro e a UNE anunciaram a substituição do processo seletivo descentralizado nas universidades públicas pelo Exame Nacional de Ensino Médio (ENEM) com algumas mudanças. O modelo é inspirado no processo seletivo americano, o Scholastic Assessment Test (SAT), e não eliminará o processo seletivo excludente que é a marca do vestibular.

O modelo proposto pelo governo representa uma intensificação dos pressupostos meritocráticos e da ideologia do Capital Humano e das competências. Agora o aluno terá opção de escolher diversos cursos e universidades de acordo com o ranking feito pelos índices do MEC a partir do SINAES-ENADE, porém a classificação se dará de acordo com as notas do ENEM. Assim, os melhores alunos – as melhores notas - do Exame se concentrarão em algumas poucas universidades e o governo concentrará investimentos em alguns centros de excelências de pesquisa, já beneficiado pela avaliação do SINAES.

O novo sistema consegue a proeza de ser mais excludente. Novamente os jovens das favelas e periferias e filhos dos trabalhadores estarão fora, a sua entrada no “ensino superior” será através do PROUNI para estudar-consumir em uma Universidade Shopping-Center. Eis a farsa. Para garantir que as universidades aprovem o novo vestibular o governo acena com uma prática comum no Senado e na Câmara: suborno, mensalão, jabá, jetom, etc. Assim faz o Haddad: aprovem o ENEM e terão mais verbas para assistência estudantil. A Secretaria da Juventude do Ministério, a UNE, agradece. Criar comitês em cada curso para mobilizar e lutar pelo acesso livre.

O ÚNICO FIM DO VESTIBULAR É O ACESSO LIVRE!

ABAIXO AO REUNI!

PELA UNIVERSIDADE POPULAR!!!